FOTOS
Arquivo da Categoria: 5 – Actividade Académica
Encontros pares – Documentário
Encontros pares – Cartografia Múltipla
18º Encontro – Julho de 2014
17º Encontro – Fevereiro de 2014
16º Encontro – Dezembro de 2013
15º Encontro – Outubro de 2013
14º Encontro – Setembro de 2013
13º Encontro – Junho de 2013
12º Encontro – Abril de 2013
11º Encontro – Fevereiro de 2013
10º ENCONTRO DEZEMBRO DE 2012
9º Encontro – Outubro de 2012
Encontro Anual – Setembro de 2012
8º Encontro – Agosto de 2012
7º Encontro – Junho de 2012
6º Encontro – Abril de 2012
5º Encontro – Fevereiro de 2012
A etnomatemática e a economia local: o conhecimento trivium dos pescadores da Costa da Caparica na Arte Xávega.
Autor: Nuno Vieira
Resumo
D’Ambrósio entende literacia como a capacidade de ler códigos e símbolos: a materacia, os processos mentais que decorrem desta aquisição de informação e, por fim, a tecnoracia, os instrumentos processuais que advêm dos anteriores. Partindo destas definições consideramos o conhecimento trivium como a aquisição e desenvolvimento destas competências, num determinado contexto, como será o caso de uma atividade profissional. A escola ensina a matemática ocidental, não privilegiando os saberes matemáticos das populações que servem, tornando o ensino desta disciplina hermético e estéril, na perspetiva dos alunos provenientes de determinados grupos sociais.
Nas artes da pesca, os processos de literacia estão associados à leitura de fenómenos naturais, como condições meteorológicas, do mar ou comportamentos animais, para a partir daqui tomar as decisões relativas à pesca, como momentos e locais para efetuar o lance.
As artes de pesca tradicionais têm contado com o conhecimento trivium dos pescadores para se manterem economicamente viáveis, particularmente numa localidade onde concorrem com o turismo pelo mesmo espaço de praia.
Palavras Chave: etnomatemática; literacia; materacia; tecnoracia; arte xávega
Revista Internacional de Educación para la Justicia Social
Ethnomathematics and Local Economy: Costa da Caparica fisherman’s trivium knowledge at the Xávega art.
Nuno Vieira
Abstract
D’ Ambrosio understands literacy as the skill to read codes and symbols; matheracy, as the mental processes that arise from that acquisition of information and , finally, the technoracy, as the procedural instruments that come from literacy and matheracy. Based on these definitions we understand trivium knowledge as the acquisition and development of these skills in a given context, as it is the case of a professional occupation. School teaches Western mathematic , not focusing teaching processes on the mathematical knowledge of the populations they serve, making the teaching of this subject airtight and sterile on the perspective of students from certain social groups .
For fishermen, the processes of literacy are associated with the reading of natural phenomena, such as weather, sea conditions, or animal behaviour, and make their decisions related to fishing activities, like timing and places to go fish.
The arts of traditional fishing activity have depended on the trivium knowledge of fishermen to remain economically viable, particularly in a location where this activity competes with tourism for the beach space.
Keywords : ethnomathematics ; literacy; mathemacy ; technoracy ; Xávega art
Introdução
Como a investigação em etnomatemática tem demostrado, o pensamento matemática tem sido um elemento basilar na evolução das civilizações, tanto na produção de conhecimento como na evolução e otimização da atividade humana, embora estejamos a falar de uma matemática frequentemente sem expressões numéricas ou algoritmos. Facto é que matemática está subjacente à atividade humana e aos processos de produção, sejam eles artesanais ou industriais, pelo que o domínio destes conhecimentos constitui-se uma forma de poder. Estando o pensamento matemático presente em todas as culturas desde os tempos mais remotos e particularmente em ofícios de cariz manual, estará presente nas atividades de pesca tradicionais. Os pescadores, para construírem os seus barcos e as suas redes, sempre aplicaram conceitos matemáticos, que foram assimilando, aperfeiçoando e procurando perpetuar, passando-os aos descendentes da sua arte.
Os processos de transmissão de conhecimento entre gerações, numa cultura, são variados e anteriores à própria escrita, e entre os mais frequentes está a memória oral, o ritual das gerações mais novas ouvirem histórias contadas pelos mais velhos e os jogos (Vieira, 2013). No presente, a hegemonia da escola na transmissão de conhecimentos resulta, em grande parte, do domínio da memória escrita sobre a oral, que área da matemática terá contribuído para uma valorização da matemática escrita sobre os pensamentos matemáticos sem tradução escrita . Referimo-nos às técnicas de observação e reflexão, para entender, conhecer, explicar, inferir, respondendo à pulsão de sobrevivência e transcendência. Mas, os conceitos e os processos matemáticos sem tradução escrita encontram na escola um espaço reduzido, quando não são mesmo ignorados.
A investigação em etnomatemática, por outro lado, tem mostrado que a transmissão de conhecimentos matemáticos, dentro de grupos culturais, sociais ou familiares, ocorre independentemente do seu estádio de desenvolvimento ou nível de complexidade. Os processos de industrialização do séc. XIX levaram a que se estabelecesse uma relação entre o nível de conhecimentos matemáticos (a otimização, a dedução, a inferência), úteis em qualquer atividade produtiva, e o domínio da língua materna do trabalhador com a sua capacidade produtiva, pelo que os sistemas de ensino passaram a incorporar sempre estas duas vertentes no seu currículo.
Se é comummente aceite que após a revolução industrial o nível de desenvolvimento de uma sociedade decorre, em grande parte, do seu conhecimento científico e tecnológico, no qual a Matemática desempenha um papel central, então entende-se com alguma naturalidade que esta ocupe um lugar de destaque nas instituições escolares, e esteja presente na generalidade dos curricula, ocupando cargas horárias significativas. Facto acentuado pela convicção de que o desempenho da população nestas áreas, medido por testes internacionais padronizados, se relaciona com os índices de desenvolvimento de uma nação. Assim, a avaliação das políticas educativas, e do próprio sistema de ensino, está fortemente condicionada pela evolução dos resultados obtidos pelos alunos, em sucessivos testes. Mas, um pouco ao arrepio deste discurso, assente numa argumentação defensora das virtualidades da matemática e das ciências para o desenvolvimento de capacidades individuais como a otimização, o raciocínio ou a inferência, Kilpatrick (1999, p. 12) enfatiza que a Psicologia demonstra não haver uma relação estreita entre a inteligência, o desenvolvimento do raciocínio, e a aprendizagem da matemática. Estas capacidades são desenvolvidas, também, no desempenho de determinadas atividades profissionais que obrigam a raciocino, a inferências, à análise de dados e a dedução. Nomeadamente, os processos artesanais associados às artes de pesca são construções sociais, com fortes componentes matemáticas, que, uma vez adquiridas, facilitam a comunicação entre quem ensina e quem aprende ou entre quem comanda e quem executa. Assim, contribuirão para encarar-se de forma unívoca a resolução dos problemas, seguindo uma determinada ideologia: “ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica” (Freire, 1997, p. 122) mas, as ideologias estão normalmente ao serviço de interesses particulares, apresentadas como interesses universais (Bourdieu, 2001, p. 10). Como as relações de comunicação são inseparáveis das relações de poder, dependendo estas últimas da forma e do conteúdo do poder material ou simbólico acumulado pelos agentes ou pelas instituições envolvidas, os pescadores proprietários de barcos são portadores de um grande poder simbólico. “São enquanto instrumentos estruturados e estruturantes da comunicação e do conhecimento que os «sistemas simbólicos» [destaque do autor] cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica)” (Bourdieu, 2001, p. 11). Existe violência simbólica quando o mestre que ensina, ou o que que faz, não é entendido pelos que aprendem ou executam, e, analogamente quando o que o aprendente ou o executante diz ou faz não é entendido pelo mestre. Quando o mestre fala com o aprendente, e explicita um raciocínio, fá-lo com recurso a símbolos conceitos e definições que exigem o seu conhecimento prévio. Como particularmente os conhecimentos matemáticos estão, por norma, encadeados, se um aprendente ou executante deixa de acompanhar o ritmo imposto tem dificuldade em recuperar. E se o atraso for muito significativo torna-se praticamente irreversível, pelo que este acabará por não apreender as especificidades e condicionantes do ofício, não executando convenientemente as tarefas atribuídas com evidentes consequências.
O programa etnomatemática
As escolas têm características e modos de operar próprios, já que estão inseridas em realidades socioeconómicas e culturais diferentes, com populações escolares distintas. No entanto, na sua organização está presente um conjunto significativo de características comuns, resultado da história dos sistemas educativos. A denominada “gramática da escola” (Barroso, 1999, 2003; Formosinho & Machado, 2008; Gimeno Sacristán, 2008; Tyack & Cuban, 1995) tem inscrita a forma como se “divide o espaço e o tempo, se classifica os alunos em níveis e são dispostos por sala de aula, como se divide o conhecimento em áreas e como se atribuem classificações e prémios em resultado das evidências de aprendizagem” (Tyack & Cuban, 1995, p. 85). Trata-se da “pedagogia coletiva” (Barroso, 1999, p. 131), que tem na sua génese a uniformização de toda a estrutura educacional, a mesma que leva a que independentemente da localização da escola, das suas particularidades e especificidades, bem como dos interesses demonstrados pelos alunos, o professor tenda a ensinar o mesmo a todos, como se de um só se tratasse, nos mesmos períodos de tempo. É um princípio que por mais que se negue e renegue, continua na base da organização escolar e é evidente na distribuição dos alunos por turma que obedece à homogeneidade possível, quer em termos etários, quer do nível de conhecimentos, e, em certa medida, das condições socioeconómicas dos alunos. Este modelo de escola organizada em classes, que mantem uma demarcação entre o mestre que ensina e os aprendizes que ouvem sem questionarem a sua autoridade, embora tenha sido atacado desde a origem por alguns pedagogos, manteve a sua eficácia até ao momento em que a escola se abriu para todos. A massificação da escola, a inclusão escolar de todas as diferenças e peculiaridades, veio dificultar o processo de homogeneização das classes/turmas. A “escola real” (Tyack & Cuban, 1995), a escola que os alunos frequentam com os mesmos princípios de funcionamento que a que os seus pais e avós já frequentaram, e que estes têm como referência, com saberes categorizados em unidades curriculares, com um determinado número de tempos letivos por disciplina rigidamente regulados por um horário, que cadencia o ritmo das atividades desempenhadas, sem aparente articulação entre os saberes abordados em cada uma das unidades.
O calendário escolar divide o percurso dos alunos em segmentos de vária ordem: o período letivo, delimitado por interrupções letivas de verão, de Natal e de Páscoa; o ano letivo, marcado pelas férias de verão; e os quatro ciclos de ensino, primeiro, segundo, terceiro e ensino secundário. Para cada um destes segmentos é estabelecido término marcado por um momento de avaliação e, nalguns casos, uma prova de exame nacional. Estes momentos de avaliação “têm a tríplice função de indicar se o indivíduo atingiu o nível estatutário, de garantir que a sua aprendizagem está em conformidade com a dos outros, e diferenciar as capacidades de cada indivíduo” (Foucault, 1977, p. 143), estando previstos «castigos» para os casos em que os resultados se afastam dos definidos como «mínimos». Esta organização dos sistemas de ensino encontra, para Foucault, espelho na organização dos quartéis, também assentes nesta lógica de séries. Aqui não para atingir um grau académico mas igualmente para progredir numa estrutura hierarquizada, a militar. Salientamos que o termo progressão é utilizado em ambas as organizações para denominar a passagem de uma série para a seguinte. Foucault salienta que ainda se podem “estabelecer séries de séries” (1977, p.143), definidoras do tempo de permanência em cada um, o que também define uma posição estatutária. Mais concretamente no ensino da matemática, não apenas estão estabelecidas as séries (períodos e anos letivos), as séries de séries (os ciclos de ensino), a avaliação no termo de cada série, com ou sem exame nacional, os castigos quando não são cumpridos objetivos mínimos, como também está enraizado um princípio de precedência, que tende a considerar que se um aluno não tem sucesso numa determinada série, dificilmente terá sucesso nas que se sucedem, ficando vulnerável à aplicação de «castigos». Neste mesmo sentido encontramos o «preconceito» de que apenas as mentes inteligentes, as de nível intelectual superior, estão aptas a seguir optar por um percurso escolar em áreas do conhecimento com uma forte componente em matemática. Os próprios professores da disciplina alimentam e acentuam a ideia de que a matemática é “misteriosa e difícil” (Kilpatrick, 1999, p. 16).
Mas, o professor de Matemática é antes de mais um educador, que, enquanto ensina, promove valores e transmite aos alunos uma visão do mundo. Assim, fará sentido “falarmos de uma «matemática dominante», que é um instrumento desenvolvido nos países centrais e muitas vezes utilizado como instrumento de dominação. Essa matemática e os que a dominam se apresentam com postura de superioridade, com o poder de deslocar e mesmo eliminar a «matemática do dia-a-dia»” (D’Ambrosio, 2013, p. 49). É de salientar que a matemática vai para além das especificidades das disciplinas escolares, organizadas em «séries», e independentemente da duração que as definem. Pode estar, também, associada à busca da justiça social, segurança e tranquilidade, podendo quem ensina matemática subordinar a sua ação a “uma ética maior ancorada em três vertentes: 1 – respeito pelo outro com as suas diferenças; 2 – solidariedade com o outro, reconhecendo sua essencialidade; 3 – cooperação com o outro, reconhecendo que sozinhos não podemos lidar com situações e problemas globais” (D’Ambrosio, 2013, p. 45). Efetivamente, os conhecimentos matemáticos de grupos sociais ou culturais, como os pescadores, não são entendidos pelos que têm nas instituições de ensino uma conceção de “escola real” (Tyack & Cuban, 1995), logo não a valorizando, nem, tão pouco, lhe conferindo importância ou utilidade. Contrariamente à matemática ensinada nas escolas de matriz ocidental, os conhecimentos matemáticos de grupos sociais, como os pescadores dedicados às artes de pesca tradicionais, são de assaz importância para o desenvolvimento de um programa etnomatemática, conforme proposto por D’Ambrosio. Este é “um programa de pesquisa que teve sua origem na busca de entender o fazer e o saber matemático de culturas não originados das europeias e de classes populares, muitas marginalizadas, numa mesma sociedade, onde classes diferentes se encontram e há uma dinâmica de encontro de saberes e fazeres dessas classes. Faz parte desse programa de pesquisa entender o intercultural a dinâmica da evolução de fazeres e saberes que se encontram, mas somos igualmente levados a questionar o intra-cultural, numa mesma sociedade” (D’Ambrosio, 2013, p. 46).
Não podemos deixar de salientar que o termo etnomatemática, neste contexto, se distingue dos estudos em etnomatemática que se visam identificar elementos matemáticos em manifestações culturais, artesanais e tradicionais, próprias de um povo ou de uma cultura, usando como instrumento de análise a matemática ocidental. O programa etnomatemática assenta nas categorias identitárias de cada cultura ou grupo cultural, no que lhe é próprio e característico, podendo mesmo definirem-se características que lhes são únicas, mesmo associadas às mais elementares necessidades de subsistência, em harmonia com o local geográfico, físico e humano, onde se inserem e onde vivem. Esta necessidade de “sobrevivência e transcendência leva o ser humano a desenvolver modos, maneiras, estilos de explicar, de entender e aprender, e de lidar com a realidade percetível” (D’Ambrosio, 2013, p. 47).
Ainda na perspetiva de D’Ambrosio, a matemática deverá ser o “modo de pensar mais universal” (2007, p. 25) de que o homem dispõe[1]: sendo o pensamento matemático o motor da ciência e da tecnologia deverá sê-lo também, da educação para a paz, e um caminho para a resolução de problemas, nomeadamente os que decorrem dos desequilíbrios sociais e das perturbações nos ecossistemas, fortemente marcados pelas taxas de consumo dos recursos materiais e energéticos. Assim, o estudo e a compreensão dos factos históricos da matemática devem nela estar presentes de uma forma sustentada: uma disciplina é a sua epistemologia. “É importante conhecer a evolução da etnomatemática como resposta ao curso perigoso da humanidade em direção à destruição da dignidade individual, das relações sociais tensas e violentas, das relações com o ambiente inviáveis e o aumento dos confrontos armados” (D’Ambrósio & Rosa, 2008, p. 99). O reconhecimento da validade dos modos como o outro conta, mede, calcula, infere, localiza, representa, joga é um caminho sustentável para a equidade e para tolerância entre os povos.
O Programa Etnomatemática resulta de uma visão transdisciplinar e transcultural do conhecimento. Todos os povos, pensados como a mesma espécie humana, e todas as culturas, pensadas como integrando uma civilização planetária, exigem um novo pensar e um novo relacionamento de saberes e de fazeres que muitas vezes se manifestam diferentemente. (…) as novas relações internacionais e a intenção de recuperar a dignidade cultural de todos os povos, manifesta na Declaração Dos Direitos Humanos, exige o diálogo intercultural e interdisciplinar. Esse é o primeiro passo para o pensamento transcultural e o conhecimento transdisciplinar. A transculturalidade e a transdisciplinaridade possibilitam a sobrevivência, com dignidade, da espécie humana. Isso é anti-positivista. O Programa Etnomatemática é representativo desse novo pensar. (D’Ambrosio in Vieira, 2008, p. 168).
D’Ambrosio chama, ainda, a atenção para algo que todos sabemos: o facto da sobrevivência da humanidade estar dependente da sua relação com a natureza, relação essa regulada por princípios culturais e ecológicos que não raras vezes, ao longo da história contribuíram “para o conflito que se desenvolve, para o confronto, a violência e a subjugação do outro e da natureza” (D’Ambrósio & Rosa, 2008, p. 101). A demanda contra o conflito e a violência pode ser bem‑sucedida se existir partilha na distribuição do conhecimento e dos recursos que a natureza oferece. É este o caminho apresentado por D’Ambrosio, para “nos conduzir a uma civilização planetária, com paz e dignidade para toda a humanidade” (D’Ambrósio & Rosa, 2008, p. 109). E nele a educação matemática surge como um meio de comunicação e uma ferramenta úteis e eficazes para a distribuição e gestão dos recursos. O que justifica o papel central das ideias matemáticas em todas as civilizações é o facto de ela fornecer os instrumentos intelectuais para lidar com situações novas e definir estratégias de ação (D’Ambrosio, 2013, p.49), e, efetivamente, os pescadores de Arte Xávega da Costa da Caparica evidenciam ideias matemáticas construídas e passadas de geração em geração.
O processo educativo tem também a seu cargo a tarefa de articular o velho com o novo, harmonizando o passado e o futuro. Não se deve descurar a tradição e os valores estabelecidos no passado, que nos caracterizam e nos conferem a identidade, mesmo tendo em mente a preparação para o futuro, estimulando a criatividade e a inovação. Assim, a educação matemática é, também, uma questão política. A sociedade tem avançado no sentido da valorização dos números, seja na forma de estatísticas, que ao serem conhecidas condicionam a opinião pública e a individual, seja na economia de mercado, sustentada na matemática, seja na quantificação de tudo, onde se tenta traduzir tudo em valores numéricos, com o intuito de seriar e estabelecer rankings. É assim que se colocam aos sistemas de ensino novos desafios. Estes não podem ficar mais pelo velho objetivo de ensinar a ler, escrever e contar[2]. Preparar os jovens para uma cidadania plena implica, da parte dos professores de Matemática, nomeadamente, que assumam que “a Matemática pode ajudar os jovens no comprometimento com as suas obrigações, na promoção da equidade e da democracia, da dignidade e da paz, para toda a humanidade” (D’Ambrosio, 1999, p. 131). Este compromisso, que D’Ambrosio advoga para a matemática e os professores, deverá ser partilhado por todos os professores, de todas as disciplinas. É aqui que D’Ambrosio (D’Ambrosio, 1999, 2001, 2005) propõe um novo currículo para as escolas, o Currículo Trivium, constituído por “literacia, materacia e tecnoracia, que responde às necessidades da época que agora está a emergir” (D’Ambrosio, 2001, p. 133). Assim, temos que:
literacia é a capacidade de processar informação escrita e falada, o que inclui leitura, escrita, cálculo, diálogo, ecálogo, mídia, internet na vida cotidiana (instrumentos comunicativos); materacia é a capacidade de interpretar e analisar sinais e códigos, de propor e utilizar modelos e simulações na vida cotidiana, de elaborar abstrações sobre representações do real (instrumentos intelectuais); tecnoracia é a capacidade de usar e combinar instrumentos, simples ou complexos, inclusive o próprio corpo, avaliando suas possibilidades e suas limitações e a sua adequação a necessidades e situações diversas (instrumentos materiais) (D’Ambrosio, 2005, p. 119).
Literacia é, então aqui entendida como a capacidade de ler e escrever em sentido lato, não apenas de traduzir caracteres sequenciados, mas de analisar, processar e interpretar informação que nos pode chegar através das mais variadas formas de comunicação, como a musical, a gestual ou a sensorial. Na verdade, com a crescente importância social dos números, grande parte da informação chega-nos sob a forma de linguagem matemática, pelo que a escola deve fornecer ao indivíduo as ferramentas necessárias para a sua leitura crítica. O indivíduo deve ser capaz de, a par da análise de sinais e códigos, inferir, propor hipóteses e tirar conclusões, aquilo a que D’Ambrosio denomina de materacia, segunda componente do currículo trivium, “materacia é a mais profunda reflexão acerca do homem e da sociedade e não deveria ser restringida às elites, como tem sido no passado” (D’Ambrosio, 2007, p. 29). Por fim, temos a terceira componente – tecnoracia – que pressupõe um domínio crítico na seleção, adequação e utilização das ferramentas tecnológicas nas mais diversas situações, uma vez que a “história nos mostra que a ética e os valores estão intimamente relacionados com o progresso tecnológico” (D’Ambrosio, 2007, p. 29).
Então, o currículo escolar deverá ser construído com objetivo de ajudar os alunos a desenvolverem um sentido crítico face ao mundo que os rodeia, e proporcionar‑lhes os instrumentos intelectuais necessários para a sua compreensão plena, que engloba, naturalmente, as áreas científicas e as tecnológicas. Os professores têm, de facto, o
poder simbólico de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e (…) a ação sobre o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física e económica), graças ao efeito específico de mobilização. Só se exerce se for «reconhecido» (Bourdieu, 2001, p. 14),
Os alunos são cidadãos do Mundo, devem compreendê-lo e nele viver de forma consciente no exercício da sua cidadania, pelo que os conhecimentos matemáticos aprendidos, formal ou informalmente, têm uma assaz importância. Mas, para tal não deverão ser transmitidos de forma estéril e acrítica.
O Conhecimento trivium
O currículo trivium proposto por D’Ambrosio, se ensinado na escola poderá favorecer a valorização da escola e dos conteúdos matemáticos aí abordados. Porque procura uma tradução dos conceitos estudados no quotidiano dos alunos, enquanto membros de uma comunidade, onde os conhecimentos adquiridos por via informal, no dia-a-dia no ceio da sua comunidade encontram igualmente um correspondente na escola. Para isto, contribui o facto de as competências inscritas no currículo trivium, recordamos literacia, materacia e tecnoracia, não se limitarem a ser aprendidas em ambiente escolar, e muito menos são competências trabalhadas exclusivamente pelas áreas da matemática. O desempenho de tarefas do quotidiano ou intrínsecas a determinadas atividades profissionais também as desenvolverá de forma igualmente eficiente, daí afirmarmos que as literacia, materacia e tecnoracia, são competências adquiridas, constituindo-se o corpo do conhecimento trivium. Este conhecimento também é construído desempenhando de uma arte ou ofício (Vieira, 2013). No desempenho de uma tarefa, a “…REALIDADE informa o INDIVÍDUO que processa e executa uma AÇÃO que modifica a REALIDADE que informa o INDIVÍDUO… [destaque do autor]” (D’Ambrosio, 2001, p. 57). Centrando-nos no exemplo da pesca com Arte Xávega, o mestre da companha, em primeiro lugar tem de decidir se o seu barco sai para o mar, para fazer um lanço. A decisão está dependente da perceção das condições de mar e meteorológicas, se são propícias à atividade de pesca sem risco para os pescadores e para o equipamento. Fá-lo, olhando para o mar e para as condições ambientais: «lê» o que o ambiente lhe vai dizendo, infere – materacia – o significado da informação apreendida, para de seguida atuar em conformidade – tecnoracia. Numa entrevista concedida no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas, António Cardoso (Alemão) um pescador da Costa de Caparica de 83 anos de idade, enquanto remendava redes, ao «ver» a evolução das condições meteorológicas, afirmou “já está mau para eles irem para o mar [materacia]… Está neve [literacia]… Quando vocês chegaram, estava bom [literacia]” (testemunho de António Cardoso no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas, PTDC/CPE_CED/119695/2010). A «neve» a que este pescador se refere traduz o fenómeno meteorológico de condensação da humidade do ar, resultante da chegada de uma massa de ar frio vinda de norte. Este vento de norte, não apenas provoca a condensação da humidade do ar, visível em terra mas sem implicações significativas na pesca, como também provoca um movimento da massa de água superficial no sentido de terra para o mar, criando correntes marítimas e ondulação, por ação da força de coriolis, gerando condições eventualmente adversas à pesca por arte xávega. Os pescadores, ao longo dos tempos, foram desenvolvendo e transmitindo os seus conhecimentos aos mais novos. Aprenderam a ler o que a Natureza lhes diz, aprendem a interpretar o significado das mensagens, para então atuar em conformidade: decidem quando e onde fazer sair os barcos, em que condições, com que artes, para que tipo de captura, apuraram as técnicas de construção de redes, o modo de as lançarem ao mar, a melhor forma de as enrolar para ficaram prontas a realizar um novo lanço.
O clássico esquema de comunicação poderá ser traduzido por “quem diz o quê a quem e por que meio” (Leyens & Yzerbyt, 2004, p. 101) e enforma genericamente as dinâmicas na transmissão de conhecimento. Nos processos de ensino-aprendizagem, sempre mútuos e recíprocos, quem aprende, o aluno, (tomando num sentido lato) recebe permanentes mensagens de quem ensina, o professor (também num sentido lato, podendo ser uma pessoa ou qualquer entidade que emite informação). Mas, para que uma mensagem seja efetiva, é crucial que o interlocutor esteja atento e saiba descodificar a mensagem, só então poderá passar à fase seguinte do processo de comunicação, analisar os argumentos apresentados, podendo então adequar a ação aos interesses e necessidades. “Quando as pessoas recebem uma mensagem nova verifica-se uma modificação na sua estrutura atitudinal. Esta tese é uma consequência direta da teoria da aprendizagem: as pessoas serão tanto mais suscetíveis de apreender uma mensagem quanto mais ela lhes trouxer benefícios ou evitar consequências lastimáveis” (Leyens & Yzerbyt, 2004, p. 102). Face a uma mensagem verdadeiramente persuasiva o interlocutor raramente fica sem reação, não assume uma atitude acrítica, antes tornando um elemento indutor de mudança. Por tudo isto, a ação do aluno é subordinada não apenas aos argumentos contidos na mensagem, mas também pelo conhecimento trivium por si adquirido. Através de um processo empírico, a partir da análise regular e sistemática das atitudes do aluno face ao que lhe é dito e proposto, estará continuamente a adquirir e a desenvolver novas competências de literacia, materacia e tecnoracia. Ao receber a informação que lhe é transmitida, o aluno vai «lê-la», interpretá-la, fazer inferências e tirar conclusões, e implementar procedimentos consentâneos. Este conhecimento trivium, adquirido com os anos e com a experiência, são transmitidos entre gerações, pelo que não será de estranhar que alguns pescadores mais novos (geralmente filhos ou netos de pescadores e mestres de companhas) tenham criado as suas próprias companhas (Vieira & Silva, 2014, pp. 73-74).
A evolução tecnológica e o desenvolvimento económico do país trouxe, naturalmente, novos desafios a que os pescadores se foram adaptando aprendendo a «ler» o mundo em que vivem e a ensaiarem novas soluções, «vendo» os resultados (literacia), avaliando, inferindo novas hipóteses que permitissem obter melhores resultados (materacia) e implementando-as (tecnoracia). Como exemplo deste exercício recursivo de construção do conhecimento trivium está a introdução de motores nas embarcações e a substituição das tradicionais redes de algodão por nylon, a que se associou passarem a ser puxadas por aladores mecânicos acoplados a tratores.
Os barcos tradicionais da arte xávega, os meia-lua (eram barcos que quando vistos de lado têm a forma de meia lua), têm o bojo encurvado da popa à proa, tornando-as elevadas para, assim, vencerem a rebentação. Têm, igualmente, uma quilha pronunciada para conferir estabilidade e não virarem com a força das ondas e os «golpes de mar». Estes barcos são muito pesados e, como são movidos a remos, requerem um número significativo de membros embarcados. Com a possibilidade de se introduzirem motores nos barcos, rapidamente constataram que estes teriam de ser adaptados, e foram-se introduzindo alterações até que, no presente, recorrem a barcos de fundo chato e motores fora de borda, aumentando também a segurança dos pescadores: “a lancha é mais larga, aguenta-se mais” (testemunho de Mário Raimundo no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas, PTDC/CPE_CED/119695/2010). Mesmo tratando-se de embarcações de fundo chato, são mais largas e a potência dos motores fora de bordo permitem mais facilmente vencer os «golpes de mar», permitindo, também, reduzir o número de homens que integram uma companha, e o esforço físico exigido a cada também é menor. Fatores como o número de homens necessários para a constituição da companha, a dimensão da embarcação ou o tamanho das redes foram sendo otimizados através de um pensamento matemático, sustentado pelo conhecimento trivium dos decisores, os proprietários dos barcos e mestres da companha. De forma recursiva foram lendo os factos (literacia), fazendo inferências e tirando conclusões (materacia), para implementarem novas técnicas (tecnoracia), voltado a ler o resultado.
A constante redução do rendimento auferido com a pesca e, em dado momento, também cada vez menor mão-de-obra disponível (literacia) contribuiu para que os mestres procurassem novas soluções (tecnoracia) que lhes permitisse subsistir. Contudo, a atividade da pesca é sentida por muitos como algo de que não podem nem se querem separar. Amam o mar e a pesca, e mesmo quando deixam de ter condições físicas para embarcar e realizar tarefas mais pesadas, aplicam os seus conhecimentos e experiencia na manutenção e construção das redes das respetivas companhas. “É uma profissão muito bonita, muito mal remunerada mas muito bonita Temos uma sensação de liberdade, o mar é lindo, tudo isto é muito bonito” (testemunho de Mário Pedro no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas, PTDC/CPE_CED/119695/2010). No entanto Mário Raimundo (testemunho no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas, PTDC/CPE_CED/119695/2010, mestre de outra companha, relativamente aos seus dois filhos salienta “não quero cá ninguém… passar frio, passo eu”. Não quero que ela [referindo-se à filha sem emprego] passe frio, já basta eu estar a passar frio”. A dureza da profissão e esta preocupação, legítima, de proporcionar aos filhos uma vida melhor, foi afastando as pessoas da profissão de pescador.
A outra alteração significativa na Arte Xávega resultou, na década de 80 do séc. XX, da introdução de tratores com aladores mecânicos para puxarem as redes, que até então eram puxadas à mão por dezenas de homens e mulheres, a partir do areal. Os aladores mecânicos, associados à introdução do nylon permitiram fazer redes maiores e mais pesadas: “as artes eram mais leves tinham menos malhagem que era para puxar a cinto, agora estas são para puxar a trator” (testemunho de António Silva Cardoso no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas, PTDC/CPE_CED/119695/2010). Atendendo a que as redes são construídas pelos próprios pescadores, não havendo duas iguais, estas alterações forçaram a que os mestres as fossem adaptando à nova realidade. Foi necessário ajustar a dimensão dos vários segmentos que constituem a rede, de incrementar e otimizar a quantidade de chumbo para que afundasse o suficiente para arrastar no fundo, mas que não se tornasse demasiado pesada. “Nós hoje pescamos com métodos totalmente diferentes do que pescávamos há vinte ou trinta anos atrás. Nós estávamos habituados a um esforço de trabalho enorme, as redes… era tudo puxado à mão, não havia motores era tudo a remos” (testemunho de Lídio Galinho no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas, PTDC/CPE_CED/119695/2010). Mais uma vez, salientamos a presença do conhecimento trivium neste processo mental, etnomatemático, de otimização desenvolvido pelos mestres das embarcações.
Há, no entanto fatores externos à atividade piscatória que a influenciam sobremaneira. As decisões políticas do poder local privilegiam o turismo em detrimento de outras atividades económicas, e nomeadamente a piscatória. A Costa da Caparica é uma zona que tem no turismo um importante valor económico, valor que os pescadores também não pretendem ver desaproveitado, pelo que procuram manter o equilíbrio entre as tradições (enquanto valor turístico) e a implementação de soluções tecnológicas que permitam incrementar o seu rendimento económico, inseridos numa economia de mercado global. Desta forma, ainda se avistam embarcações meia-lua da Costa da Caparica, cuidadas e preservadas por alguns pescadores. Não que sejam economicamente rentáveis, mas os pescadores sabem que a arte xávega apenas poderá sobreviver enquanto arte tradicional.
Numa outra dimensão, de caráter mais político, a partilha do espaço entre os pescadores e os turistas nem sempre é fácil, ficando nos pescadores um sentimento de impotência por se sentirem relegados para a base da pirâmide social. Mário Pedro, um pescador entrevistado no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas (PTDC/CPE_CED/119695/2010), enquanto remendava redes no areal, salientava: “nós, entretanto, encontramos também uma dificuldade imposta pelo homem, pelas leis, pelo governo, pelas autoridades, que nos proíbem de pescar em certas zonas… nunca compreendemos o porquê disso”. Efetivamente a legislação em vigor proíbe a circulação de tratores e de barcos no areal durante o período balnear, nas praias concessionadas, o que se traduz na proibição de pescar entre as 8h00 e as 18h30. A capacidade de captura em quantidade e em qualidade de pescado com valor comercial ficou significativamente condicionada. “Só se pode pescar no verão, por causa do mar: dificuldade imposta pela natureza”(testemunho de Mário Pedro no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas, PTDC/CPE_CED/119695/2010 Outrora, os nomes atribuídos aos lances, resultavam da orografia do terreno de onde os barcos estavam estacionados e saíam para o mar: “era tudo marcado por terra” (Mário Pedro). Ao longo do ano deslocavam-se para zonas distintas que dependia de
onde [a pesca] estava a dar (…). A costa para o Norte sempre foi mais rica que para o Sul, o mar é mais baixinho [conhecimento trivium]. O peixe branco vem à procura das ondas [que revolvem o fundo], que é para ir à procura de isca”. Na zona onde atualmente há grandes limitações à pesca, por serem zonas concessionadas, não se pode pescar, porque foi ocupado pela frente urbana. “A costa não foi formada aqui por acaso. É que havia aqui uma enseada (…) quando estava bera, agradava mais sair ao mar. E ali [no atual largo Vasco da Gama], chamavam-lhe o alto. Era onde [os mestres] iam ver o mar… ver os alcatrazes a cair… agora não há nada, é sair ao mar e pescar. (Mário Pedro).
Entre o pescado capturável pela arte xávega economicamente mais rentável estará a sardinha e a lula, que apenas podem ser pescadas durante o período de luz. As decisões políticas e a legislação em vigor não consideram este facto, que condiciona fortemente a rentabilidade económica da pesca pro Arte Xávega na zona da Costa da Caparica. A proibição de pescar na zona marítima da frente urbana da Costa de Caparica interditou aos pescadores uma “zona (…) zona riquíssima de pesca. E portanto ao sermos proibidos de pescar naquela zona, nós pescadores fomos altamente prejudicados…” (testemunho de Lídio Galinho no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas, PTDC/CPE_CED/119695/2010). Durante a época balnear, que decorre entre maio e setembro (definida anualmente por legislação específica), o período de pesca é fortemente condicionado, como já foi referido, e no restante período do ano, é muito frequente que as condições de mar não permitam que os barcos se façam ao mar. Acresce que nas áreas não concessionadas não existem corredores de acesso à praia para os tratores, barcos e respetivas companhas. Quando associado a este facto, se associa o encerramento da Docapesca[3] em Pedrouços e a necessidade de intermediários, para comercializarem o pescado, a rentabilidade económica da pesca artesanal ficou fortemente condicionada: “ao fecharem a Docapesca de Lisboa foi a grande machadada que deram nos pescadores locais e também nacionais, ficámos sem porto de abrigo, tínhamos uma lota a funcionar 24 horas sobre 24 horas, em que nós podíamos pescar durante a noite toda, durante o dia todo e sabíamos que o nosso peixe ia ser escoado.” (testemunho de Lídio Galinho no âmbito do Projeto Fronteiras Urbanas, PTDC/CPE_CED/119695/2010). Por outro lado, o preço do pescado na lota é manipulado pelos intermediários no sentido de comprar o peixe na lota a baixo preço, para potenciarem os seus lucros. “Hoje há uma disparidade muito grande entre o pescador e o consumidor. Nós vendemos muito barato, quem consome, compra muito caro” (Lídio Galinho). Ao nível da legislação internacional, uma vez esgotadas as quotas de determinadas espécies de peixe, pelo maior volume de capturas da pesca industrial, a pesca artesanal e local fica impossibilitada de as comercializar, devolvendo-as diariamente ao mar, apesar de desenvolverem um esforço de pesca irrelevante, quando comparado com as quotas definidas para os países da União Europeia. (Vieira & Silva, 2014).
Conclusão
Embora seja já um lugar‑comum afirmar que a educação tem como função preparar o indivíduo para uma cidadania plena, criando as condições para que cada um possa maximizar o seu potencial criativo e adquirir e desenvolver as suas capacidades, o papel da matemática académica, nos últimos anos, tem vindo a contrariar este desidrato. Tem vindo a ser cooptada pela necessidade de treinar os alunos no sentido de melhorar o seu desempenho em testes padronizados, como o TIMSS ou o PISA (esta «necessidade» dos sistemas educativos relaciona-se com a associação feita entre os níveis de desempenho dos alunos e a capacidade produtiva dos países). Perdem-se, desta forma, aquelas que consideramos deverem ser as funções primeiras dos sistemas educativos, como o desenvolvimento da autoconfiança e a aquisição de conhecimentos e competências essenciais ao exercício de uma cidadania plena.
A Matemática ensinada nas escolas é, efetivamente, um pilar das sociedades atuais. Mas a forma como está estruturada torna-a inútil na perspetiva de determinados grupos sociais, como será o caso dos pescadores. Acresce que a forma como é ensinada pode afastar a escola dos seus interesses e prioridades pessoais, contribuindo para o agudizar da descriminação social, embora não seja facilmente reconhecido pelos decisores políticos, a nível local ou nacional. O argumento «não ser bom a matemática» serve, por vezes, o propósito de justificar as opções tomadas para o percurso académico do aluno, ou, em certos casos, de fundamentação para um abandono escolar precoce. Com este estudo não podemos afirmar que os pescadores da Costa da Caparica tenham desenvolvido uma matemática, pelo menos na forma como o mundo ocidental a entende e é difundida nas, e pelas, escolas. Desenvolveram, sim, estilos de observar, de classificar, de ordenar, de quantificar, de medir, de inferir, que são categorias de conhecimento dos comportamentos humanos. Desenvolveram a sua etnomatemática que lhes permite subsistir numa sociedade de mercado, onde a industrialização e o desenvolvimento do turismo, impõem fortes condicionalismos na viabilidade económica. “Naturalmente, em todas as culturas e em todos os tempos, o conhecimento é gerado por indivíduos e povos que têm, ao longo de suas existências e ao longo da história, criado e desenvolvido técnicas de reflexão, de observação, e habilidades (artes, técnicas, techne ticas) para explicar, entender, conhecer, aprender para saber e fazer como resposta a necessidades de sobrevivência e de transcendência (matemá), em ambientes naturais, sociais e culturais mais diversos (etnos)” (D’Ambrosio, 2013, p. 47). Os pescadores de arte Xávega da Costa da Caparica adquiriram, e continuam a desenvolver um conhecimento trivium que lhes permite hibridizar as suas tradições, o «velho», com a sociedade de mercado e uma aposta do poder político no turismo, o «novo». Este seu conhecimento de literacia, materacia e tecnoracia, desenvolvido ao longo de gerações permite-lhes manter economicamente viável a Arte Xávega, enquanto arte de pesca tradicional.
Bibliografia
Barroso, J. (1999). O caso de Portugal. In J. Barroso (Ed.), A Escola entre o Local e o Global, Perspectivas para o Século XXI. Lisboa: EDUCA.
Barroso, J. (2003). Introdução. In J. Barroso (Ed.), A Escola Pública. Regulação Desregulação Privatização. Porto: ASA editores.
Bourdieu, P. (2001). O Poder Simbólico (4ª ed.). Algés: Difel.
D’Ambrosio, U. (1999). Literacy, Matheracy, and Technoracy: a Trivium for Today Mathematical Thinking and Learning, 1(2), pp. 131-153.
D’Ambrosio, U. (2001). Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica.
D’Ambrosio, U. (2005). Sociedade, Cultura, Matemática e seu Ensino. Educação e Pesquisa, 31(001), 99-120.
D’Ambrosio, U. (2007). Peace, social justice and ethnomathematics. The Montana Mathematics Enthusiast, 1, 25-34.
D’Ambrosio, U. (2013). Educação Matemática para Cidadania e Criatividade. Educação e Matemática: Revista da Associação de Professores de Matemática, 125, 44-51.
D’Ambrósio, U., & Rosa, M. (2008). Um diálogo com Ubiratan D’Ambrósio: uma conversa sobre etnomatemática. Revista Latinoamericana de Etnomatemática, 1(2), 88-110.
Formosinho, J., & Machado, J. (2008). Currículo e Organização: as equipas educativas como modelo de organização pedagógica. Currículo sem Fronteiras, 8(1), 5-16.
Foucault, M. (1977). Vigiar e Punir (10ª ed.). Petrópolis: Editora Vozes.
Freire, P. (1997). Pedagogia da Autonomina: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.
Gimeno Sacristán, J. (2008). El valor del tiempo en educatión. Madrid: Ediciones Morata.
Kilpatrick, J. (1999). Investigação em educação matemática e desenvolvimento curricular em Portugal: 1986-1996. In M. Pires, C. Morais, J. P. Ponte, M. H. Fernandes, A. Leitão & M. L. Sarrazina (Eds.), Caminhos para a Investigação em Educação Matemática em Portugal. Bragança: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação
Leyens, J.-P., & Yzerbyt, V. (2004). Psicologia Social. Lisboa: Edições 70.
Sá, A., Almiro, J., Cavaleiro, J., Reis, L., Abreu, M., & Zenhas, M. d. G. (2004). Jogos do Mundo. Tondela: Associação de Professores de Matemática.
Tyack, D., & Cuban, L. (1995). Tinkering toward Utopia: a Century of Public School Reform. London: Harvard University Press.
Vieira, N. (2008). Entrevista a Ubiratan D’Ambrósio: Para uma abordagem didáctica multicultural: o Programa Etnomatemática. [Entrevista]. Revista Lusófona de Educação(11), 163-168.
Vieira, N. (2013). Os Tempos que o Tempo tem: o conhecimento trivium dos professores de matemática em período de mudança. Ph.D, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
Vieira, N., & Silva, F. (2014). Histórias de Vid. In M. Mesquita (Ed.), Relatório de Progresso II – Projeto Fronteiras Urbanas (pp. 67-81). Lisboa: Fundação para a Ciência eTecnologia.
[1] O disco de cobre revestido a ouro que a sonda espacial Voyager transporta, como cartão-de-visita para outras formas de vida que surjam no seu caminho, tem gravado símbolos numa linguagem puramente matemática. Os responsáveis da NASA acreditaram que esta será a única linguagem que pode superar o problema da incomensurabilidade entre civilizações. A NASA disponibiliza fotografias desta placa na sua página: http://voyager.jpl.nasa.gov/spacecraft/scenes.html (consultado em 10 de julho de 2011).
[2] Os termos ler, escrever e contar, resultam do sistema americano que desde a sua fundação seguiu o lema dos três R’s (Reading wRiting e aRithmetic) (D’Ambrosio, 2001, p. 65).
[3] Entreposto comercial destinado ao leilão do pescado, permitindo a venda direta do pescador aos grandes consumidores, nomeadamente cadeias de supermercados e restaurantes.
4º Encontro – Dezembro de 2011
3º Encontro – Novembro de 2011
2º Encontro – Outubro de 2011
1º Encontro – Setembro de 2011
Relatório de pós-doutoramento – José Roberto Linhares de Mattos
UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO |
RELATÓRIO DE PÓS-DOUTORAMENTO
Período: 10 de janeiro a 10 de julho de 2014
JOSÉ ROBERTO LINHARES DE MATTOS
ORIENTADORES: PROFESSORA DOUTORA ANA PAULA VIANA CAETANO E PROFESSOR DOUTOR HENRIQUE MANUEL GUIMARÃES
PROJETO: FRONTEIRAS URBANAS – INVESTIGADORA PRINCIPAL: PROFESSORA DOUTORA MÔNICA MESQUITA
ÍNDICE
Introdução ………………………………………………………………………………………………………. 1
Atividades em eventos ……………………………………………………………………………………… 2
Atividades no IEUL ………………………………………………………………………………………… 3
Produção de artigo ………………………………………………………………………………………….. 6
Visitas em escolas ……………………………………………………………………………………………. 6
Atividades no Projeto Fronteiras Urbanas ………………………………………………………. 9
Considerações finais ……………………………………………………………………………………… 22
Referências bibliográficas …………………………………………………………………………….. 24
Anexos …………………………………………………………………………………………………………. 25
INTRODUÇÃO
Este relatório se refere às atividades desenvolvidas durante o Pós-doutoramento no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, compreendendo o período de 10 de janeiro a 10 de julho de 2014.
O plano de trabalho do pós-doutoramento teve como foco principal trabalhar a Educação em Ambientes Multiculturais, em uma perspectiva etnomatemática, na linha do Projecto Fronteiras Urbanas: A dinâmica cultural na Educação Comunitária (FU).
Para tanto, desenvolvi investigação e acompanhei as atividades da “Escola do Bairro” organizada pelo Projeto Fronteiras Urbanas em uma comunidade localizada na Costa de Caparica. Estas atividades estão descritas abaixo e serão usadas para a escrita de um futuro artigo na área de Educação Matemática, mais precisamente, em Etnomatemática.
Para além disso, acompanhei, também, atividades de formação avançada no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, participando das sessões do Seminário Temático do Programa do Doutoramento em Educação – Didática da Matemática, assisti a júri de defesa de Tese e de Projeto de Tese do referido Programa, participei no 1o Seminário Temático “Didática, Professores e Ensino”, do IEUL, participei de eventos científicos na área de Educação Matemática, apresentando trabalhos e como revisor de proposta de comunicação científica, visitei duas escolas modelos em Portugal e conclui um artigo científico que estava em andamento, na área de matemática.
Podemos considerar este relatório como dividido em duas partes. A primeira contemplando todas as atividades que não estão relacionadas ao Projeto Fronteiras Urbanas. A segunda contemplando as atividades relacionadas especificamente ao referido Projeto. As considerações finais é apenas um fechamento do relatório e contempla esta segunda parte, se referindo a Educação Crítica, no âmbito do FU.
Atividades em eventos com apresentação de comunicação oral:
Revisão de proposta de comunicação oral:
Por convite da comissão organizadora do XXV Seminário de Investigação em Educação Matemática (SIEM) realizado em Braga – abril de 2014, fui revisor de uma proposta de comunicação para o referido evento.
Apresentação de trabalho no XXV SIEM:
Título: Etnomatemática em uma comunidade quilombola
O trabalho mostrou parte de uma pesquisa desenvolvida em uma comunidade quilombola na cidade de Macapá, no Estado do Amapá, no Brasil. O objetivo foi mostrar como os processos de produção e comercialização de farinha podem se relacionar com os conteúdos ministrados durante as aulas de matemática. Procuramos descrever o modo como o professor de matemática da escola da comunidade pode ministrar suas aulas, buscando aproximar a escola do dia a dia dos moradores da comunidade, fazendo com que os alunos participem de atividades desenvolvidas na escola que se fundamentam nas concepções da etnomatemática. Mais precisamente, mostramos uma atividade, realizada com os alunos do 9º ano do ensino fundamental da escola da comunidade, que envolveu todo o processo de produção e comercialização da farinha produzida pelos moradores da comunidade. Mostramos a importância de vivenciar junto com o educando a realidade matemática disponibilizada pelo meio que os cercam. O professor não deve ter como cenário apenas a sala de aula, e sim levar o ensino para além das fronteiras da escola. Isto pode (e deve) ser feito em qualquer escola, independentemente do local onde a escola esteja inserida. O trabalho permitiu verificarmos que a etnomatemática presente no processo de produção da farinha pode ser relacionada aos conteúdos das aulas de matemática na escola da Comunidade, produzindo um saber que procura aplicabilidade na sua forma de conhecimento estabelecida na parceria com os trabalhadores que produzem e vendem o produto, contribuindo para os processos de ensino e de aprendizagem da matemática escolar.
Apresentação de trabalho no Profmat2014 (em anexo):
Título: Cultura: alicerce para ensinar e aprender
Preparar o professor indígena para educar o seu próprio povo e, assim, respeitar seus ritos e mitos tem sido um permanente desafio para o Brasil. Nesse sentido, a etnomatemática é tida como um caminho para o ensino e a aprendizagem na educação escolar indígena, de uma forma que respeite a cultura de cada etnia. O confronto entre a matemática do não índio e a vivenciada em um cotidiano tribal, tem como cenário a sala de aula da aldeia. O enfoque dos conteúdos curriculares de matemática com base na cultura de um povo indígena, no qual a escola está inserida, nos mostra ser uma boa ferramenta pedagógica no encontro da cultura indígena com a não indígena. O objetivo do trabalho foi apresentar um recorte de uma pesquisa maior sobre matemática de um povo indígena do Brasil. Fizemos algumasreflexões, críticase sugestões, a respeito da educação escolar indígena, em especial sobre o ensino e a aprendizagem da matemática, no sentidodamelhoriadapráticaeducacional, de um modogeral. Enfatizamos a importância da Matemática do currículo escolar ser ensinada de maneira contextualizada, com enfoque na cultura de um povo indígena, tendo um sentido e apresentando uma motivação para o aprendizado.
Atividades no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa:
Assisti em janeiro de 2104, a convite do Prof. João Pedro da Ponte, a um júri de defesa de Tese de Doutoramento no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
Participação na Discussão II de Projetos de tese de doutoramento em Educação Didática da Matemática do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em março de 2014:
Projeto 1:
Cília Cardoso Rodrigues da Silva – Orientadora Maria de Lurdes Serrazina
Título: Flexibilidade do cálculo mental nas operações de multiplicação e divisão de alunos do 1o ciclo
Objetivo: compreender a flexibilidade do cálculo mental na aplicação de estratégias da resolução de tarefas das operações de multiplicação e divisão dos alunos do 1° Ciclo de escola pública do Brasil e de Portugal.
Projeto 2:
Graça Cebola – Orientadora: Joana Brocardo
Título: Estudo – proporcionalidade e cálculo flexível
Objetivo: Compreender, no contexto da resolução de tarefas de proporcionalidade, como é que alunos do 6.º ano desenvolvem uma forma de pensar e calcular flexível, ou seja, como é que constroem uma rede de relações entre conceitos, factos, números e operações, e como a utilizam na resolução de tarefas de proporcionalidade.
Projeto 3:
Lina Brunheira – Orientador: João Pedro da Ponte
Título: O raciocínio geométrico e espacial na formação inicial de professores
Objetivo: investigar a forma como os alunos da Licenciatura em Educação Básica desenvolvem o seu raciocínio geométrico e o seu conhecimento didático, no contexto de um currículo assente numa abordagem exploratória.
Participação em Seminário:
Apresentadora: Guri A. Nortvedt, University of Oslo
Título: Using assessment data to research students’ mathematical problem solving.
Participação assistindo o Seminário com apresentação de trabalhos em curso por doutorandos de 2.º ano e seguintes em Didática da Matemática do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em abril de 2014:
Projeto 1:
Luciano Veia – Orientadores: João Pedro da Ponte e Joana Maria Leitão Brocardo
Título: A organização e tratamento de dados nas práticas profissionais de
professores do 1.º ciclo do ensino básico: três estudos de caso.
Objetivo: Analisar a evolução das práticas profissionais dos professores relativamente ao ensino da organização e tratamento de dados no 1.º ciclo do ensino básico.
Projeto 2:
Paula Vieira da Silva – Orientadora: Leonor Santos
Título: As Tarefas de Geometria nas Provas de Avaliação Externa de Matemática do 2.º Ciclo.
Objetivo: Analisar as características das tarefas de geometria que constam das provas de aferição (2011) e das provas finais do 2.º ciclo (2012).
Projeto 3:
Carla Cardoso – Orientadora: Ana Claudia Correia Batalha Henriques
Título: A aprendizagem da Matemática no ensino superior: uma experiência de ensino assente na realização de tarefas de modelação, com recurso às TIC.
Objetivo: Compreender os processos de modelação que os alunos do ensino superior percorrem através da resolução de tarefas de modelação envolvendo situações de vida real contextualizadas na sua vida profissional, com recurso às TIC.
Participação assistindo defesas de Projetos de tese de doutoramento em Educação Didática da Matemática do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em abril de 2014:
Projeto 1:
Cristina Maria da Silva Morais – Orientadora: Maria de Lurdes Serrazina
Título: Dos números naturais para os racionais: um estudo no 3o ano de escolaridade.
Objetivo: compreender o modo como alunos do 1.º Ciclo, mais especificamente ao nível do 3.º ano de escolaridade, desenvolvem o sentido de número racional e de que modo o conhecimento dos números racionais na representação decimal contribuem para esse desenvolvimento.
Projeto 2:
Elvira Maria Tavares Lázaro dos Santos – Orientadora: Maria Leonor de Almeida Domingues dos Santos
Título: Um estudo sobre práticas avaliativas de professores de matemática do 2o ciclo: a regulação do ensino com tecnologia.
Objetivo: compreender como, num contexto de trabalho colaborativo, os professores do 2.º ciclo desenvolvem práticas avaliativas reguladoras e as usam no aperfeiçoamento do processo de ensino com as TIC.
Projeto 3:
Maria Solange da Silva – Orientador: Henrique Guimarães
Título: O Desenvolvimento Profissional de Professores no que se Refere aos Processos de Orquestração Instrumental no Âmbito de um Programa de Formação Continuada: um estudo de caso com professores de matemática do ensino médio na Holanda.
Objetivo: compreender como os professores envolvidos no programa adquirem e desenvolvem as habilidades necessárias para a construção de documentos instrucionais.
Participação na Discussão III de Projetos de tese de doutoramento em Educação Didática da Matemática do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em junho de 2014:
Projeto 1:
Lina Brunheira – Orientador: João Pedro da Ponte
Título: O raciocínio geométrico e a visualização espacial na formação inicial de professores dos primeiros anos.
Objetivo: investigar a forma como os alunos da Licenciatura em Educação Básica desenvolvem o seu raciocínio geométrico e o seu conhecimento didático, no contexto de um currículo assente numa abordagem exploratória.
Projeto 2:
Kanoknapa Erawun – Orientadora: Ana Claudia Correia Batalha Henriques
Título: Thai pré-service elemtary teachers’ pedagogical content knowledge for teaching álgebra.
Objetivo: characterize the development of pre-service teachers pedagogical content knowledge for teaching algebra at grade 3, in a context of collaborative work.
Projeto 3:
Cília Cardoso Rodrigues da Silva – Orientadora Maria de Lurdes Serrazina
Título: Flexibilidade do cálculo mental na aprendizagem da multiplicação e divisão numa perspetiva do sentido de número.
Objetivo: compreender o modo como os alunos dos anos iniciais evoluem na flexibilidade do cálculo mental através de tarefas que envolvem as operações de multiplicação e divisão e identificar características das tarefas que contribuem para que os alunos desenvolvam essa flexibilidade do cálculo mental.
Participação no I Seminário Didática, Professores e Ensino do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em junho de 2014:
Apresentação e discussão do trabalho de doutoramento em desenvolvimento de Helena Simões (Didática das Ciências), com o título “A articulação escola – contextos não formais de educação científica: Uma possível resposta para a relevância da educação em ciências no ensino básico”, incluindo um comentário por Henrique Guimarães.
Apresentação e discussão do trabalho de doutoramento em desenvolvimento de Raquel Santos (Didática da Matemática), com o título “Ensino e Aprendizagem de investigações estatísticas: Dois estudos de caso com futuras professoras”, incluindo um comentário por Marcos Onofre.
Apresentação e discussão do trabalho de doutoramento em desenvolvimento de Lara Pinto (Didática da Educação Física), com o título “Estudo da relação entre as perceções e conhecimento do professor sobre a Agenda Social dos Alunos (ASA), o seu Sentimento de Autoeficácia (SAE) na gestão da Agenda Social dos Alunos e a qualidade do seu ensino, nas aulas de Educação Física (EF)”, incluindo um comentário por Cecília Galvão.
Atividade com produção de um artigo:
No final de janeiro, terminei um artigo de matemática e submeti para a revista Far East Journal of Mathematical Sciences (FJMS), tendo sido aceito para publicação.Um resumo do artigo e a carta de aceite do editor seguem em anexo.
Apesar de ser um artigo sobre Equações Diferenciais Parciais e aparentemente não ter ligação com o meu projeto de pós-doutoramento, coloco-o aqui por ter sido uma atividade realizada no período a que se refere este relatório e, também, porque, na interpretação que faço sobre a matemática, esta atividade faz parte de um trabalho de investigação dentro de uma cultura a que eu estou inserido como professor e investigador de uma universidade. Portanto, é produção de uma “cultura matemática”.
Atividades de visitas em escolas:
Visitei a Escola Tangerina, na cidade do Porto, e tive a oportunidade de conhecer o trabalho realizado lá e entrevistar o Diretor da Escola, Professor Manuel Rangel.
A Escola faz um excelente trabalho na área da matemática. O ensino de matemática é trabalhado com projetos que envolvem os conteúdos. Posso citar, o projeto sobre piscatória (figuras 1 e 2) em que os alunos confeccionam, além de um barco de papel e isopor, todas as outras coisas que envolvem os processos da pesca e da comercialização dos peixes: rede, peixes de papel, balança para pesar os peixes que são vendidos etc. Há também o projeto da granja (figura 2) onde os alunos confeccionam tudo relacionado à criação de frangos e à produção de ovos. Estas atividades levam à aprendizagem pela construção do conhecimento através do cotidiano e da interpretação do mundo.
Figura 1: Barco com a rede, âncora, bóia e as águas.
Figura 2: Peixes e todos os utensílios utilizados na comercialização dos mesmos.
Figura 3: A Granja com as galinhas, os ovos, pá, cesto etc.
Segundo o Diretor da Escola Tangerina, Prof. Manuel Rangel, a base da metodologia da Escola é através de projetos, mas a matemática possui uma especificidade maior. É usado um programa que foi traduzido para Portugal, mas foi feito nos EUA, pelos professores belgas Georges Papy e sua esposa Frédérique, da Universidade de Bruxelas e da Escola de Formação de professores de Bruxelas. Em Portugal foi desenvolvida a parte do 1o ciclo. O programa é chamado Papy e é composto por uma bateria de materiais preparados, aula a aula, para os professores. Eles começam a fazê-los aos 4, fazem 4 e 5 anos do jardim de infância e os três anos do primário. No quarto ano, como os alunos saem depois disso, eles mantém o estilo, mas deixam de trabalhar com os materiais do programa e passam a adotar os manuais normais. Resumindo, é um programa que trabalha essencialmente a partir da pedagogia, que os autores definem como pedagogia das situações. Ainda segundo o diretor, as histórias são postas todos os dias e partir das discussões de uma história é que a matemática é trabalhada. Do ponto de vista pedagógico, e do ponto de vista da matemática, trabalha-se essencialmente o pensamento lógico com os conceitos e o cálculo mental. Para o prof. Manuel Rangel, o programa acrescenta menos nas técnicas de cálculo e muito mais no pensamento matemático. Ele acrescenta que ao contrário do que estar a crer em Portugal em que o importante são as técnicas, no mundo em que estamos não são as técnicas que são importantes. Qualquer instrumento é exatamente pensante e é o nosso pensamento ao criar as técnicas e ao trabalhar com aquilo que são técnicas.
Ele diz que a escola tem este programa, segue este programa, sempre que possível, a todas as situações cruzam o programa com os ditos projetos ou então aproveitam os tais projetos para trabalhar matemática dentro da escola. Isto é uma das coisas, que faz a ligação com a vida.
Visitei a Escola da Ponte em Vila das Aves, Santo Tirso. Fui recebido por funcionários da escola, que me direcionaram a uma aluna do 5o ano, chamada Clara. Foi a Clara que me apresentou a escola. Tive como primeira atividade ler os direitos e deveres dos visitantes, dentre os quais, não fazer registro de imagem durante a visita. Não entendi o motivo da restrição, por tratar-se de uma escola baseada em três grandes valores: liberdade, responsabilidade e solidariedade, o que parece cercear a liberdade do visitante em fotografar um espaço com fins acadêmicos (sem fotografar pessoas).
Ao entrar, deparei-me com frases coladas pelo chão, um pilar repleto de frases sobre o que é ler e livro enorme que continha um texto sobre o que é ler e escrever. Esses trabalhos que ainda estavam expostos foram realizados no projeto “Quinzena de Leitura” de 17 a 20 de março de 2014.
A escola trabalha a autonomia dos alunos, pois eles escolhem o que estudar, como estudar, quando estudar e quando serão avaliados. Cada aluno é responsável por estabelecer seu planejamento diário e de cumpri-lo. Caso não cumpra deve justificar porque não o fez. No que diz respeito ao que chamei de “projeto pedagógico”, há na escola etapas ou divisões que visam ao estudo dos alunos que são: Iniciação para alunos do 1º ao 3º ciclo, Consolidação alunos do 4º ao 6º ciclo e Aprofundamento para alunos do 7º ao 9º ciclo, podendo haver alunos de outros anos. Cada etapa tem uma série de tópicos a serem estudados. O aluno escolhe os tópicos que querem estudar a cada quinzena, ao final ele realiza uma avaliação, para o orientador educativo ver se realmente ele sabe aquele tópico. O aluno estuda por conta própria, com livros da escola ou com livros os quais têm em casa. Os livros da escola têm tarjas de cor e na parede há uma planilha com cada cor e o que conteúdo do livro o qual tem aquela cor. Existem planilhas, coladas na parede da sala de aula, as quais os alunos colocam: eu já sei, preciso de ajuda ou posso ajudar em.
Para trabalhar expressões artísticas cada grupo de alunos escolhe um projeto, que é desenvolvido e apresentado ao final do ano letivo.
Atividades relacionadas ao Projeto Fronteiras Urbanas:
O foco do meu plano de Pós-doutoramento era trabalhar a Educação em Ambientes Multiculturais, em uma perspectiva etnomatemática, na linha do Projecto Fronteiras Urbanas: A dinâmica de encontros culturais na Educação Comunitária (PTDC/CPE-CED/110695/2010).
Para tal desenvolvi trabalho de investigação e acompanhei a escola do bairro que é uma escola voluntária, na Costa de Caparica, organizada pelo Projeto Fronteiras Urbanas.
Durante os meses de janeiro e fevereiro tive acesso a fontes documentais sobre o processo e fiz leituras do Relatório de Progresso para FCT do Projeto Fronteiras Urbanas (Mesquita, 2014) e de algumas referências relacionadas ao mesmo.
Posteriormente, realizei a atividade de campo participando como educador na área de matemática, com uma regularidade quinzenal, e também participando de outras atividades culturais na comunidade.
As atividades desenvolvidas na escola de bairro estão descritas a seguir.
Minha primeira visita à comunidade de bairro em Costa de Caparica foi no dia da comemoração do início da construção da cozinha comunitária (figura 4).
Figura 4: Construção da cozinha comunitária.
Na semana seguinte houve o re-início da escola do bairro, em 2014, com a participação dos membros do projeto Fronteiras Urbanas e a comunidade. Incluindo uma atividade de matemática (figura 5).
Figura 5: Atividade de matemática.
Foi muito bom participar das atividades de teatro, poesia e expressão corporal com os membros da comunidade, do Projeto Fronteiras Urbanas e da comunidade do bairro. É um grande momento de encontro da Educação crítica com todos aqueles que estão envolvidos com a mesma (Figura 6).
Figura 6: Atividade de teatro, poesia e expressão corporal.
Percebemos que ninguém está ali como professor ou aluno. Estamos compartilhando conhecimentos. Ensinamos o que sabemos e também aprendemos o que não sabemos.
A Rita, por exemplo, conforme mostram as duas fotos a seguir, sentia uma felicidade grande em nos ensinar como equilibrar um sumo sobre a cabeça, um aprendizado que faz parte da cultura dela (figuras 7 e 8).
Figura 7: Rita equilibrando o sumo.
Figura 8: A Rita ensinando como equilibrar um sumo na cabeça.
Em um outro dia tivemos um outro momento de aprendizagem dos membros da comunidade do bairro e dos membros do Projeto Fronteiras Urbanas (figura 9).
Participamos de uma visita guiada pelo Francisco, membro do Projeto Fronteiras Urbanas, pela Costa de Caparica, onde pudemos aprender muita coisa sobre a história da região e, em especial, da comunidade piscatória, contada pela Francisco.
Caminhamos desde o bairro até a praia, e retornamos ao bairro passando pela vila de pescadores da Costa de Caparica.
A cada sitio e rua que passávamos, o Francisco contava e explicava, mostrando fotos e documentos, sobre a história do local, as casas, a única igreja na altura, os arrendamentos das roupas de banho, os rapazes que eram pagos para entrarem na água com os banhistas, protegendo-os como salva-vidas, as embarcações usadas na pesca na altura, o motivo do formato das mesmas, a Arte Xávega, tradições artísticas como o fabrico de rede de pesca artesanal e sobre a história e a vida dos pescadores (figura 9).
Figura 9: Francisco nos informando sobre a história da Costa de Caparica.
Na primeira aula de matemática, no retorno da escola do bairro, em março de 2014, estavam presentes a Madalena Santos, eu, Aline Conrado, Sandra Mattos e alguns membros da comunidade do bairro, entre os quais, a Sra. Lúcia, a Rita e a Sra. Vitória. Esta aula foi conduzida pela Madalena (figura 10).
A Sra. Lucia, moradora do bairro da Costa de Caparica, se mostrou impaciente em aprender a somar e dividir. Disse que de números ela já conhecia tudo, mas que não sabia somar e dividir. Entretanto, comentando sobre um anuncio em um folheto de um supermercado, que fazia parte do material da aula, ela disse que “1,99 euros no preço de uma mercadoria eram na verdade 2 euros”.
Isto mostra que ela percebia que 1 centimo é um valor muito pequeno, quando comparado ao preço de um produto, ou seja, isso nos mostra que as noções matemáticas de comparação numérica e quantidades pequenas (números racionais) independem de conhecimento matemático. São inerentes ao instinto humano.
Figura 10: Aula de matemática no retorno da escola do bairro.
Na figura 11, a seguir, temos a Lucia apreendendo como “somar no papel”.
A Lúcia tinha muita vontade de aprender e demonstrava bastante interesse em conhecer o processo de se efetuar uma soma no papel.
Ela deixou isso claro várias vezes. Sempre falava que conhecia os números e sabia fazer contas, mas que no papel ela não sabia, e queria aprender.
A vontade dela era tão grande que ela aprendeu muito rapidamente o algoritmo para efetuar uma soma no papel, quando nós fizemos uma aula sobre esse conteúdo.
A cada conta ela expressava uma grande satisfação no resultado alcançado e me dizia, com a intenção mesmo de me explicar, que ela fazia aquela conta de “outra forma”.
Então eu pedia a ela que explicasse como ela fazia a conta e ela explicava.
Ela usa um processo mental próprio de matematizar, empregando as propriedades inerentes à operação de soma, como, por exemplo, a associatividade e a comutatividade.
O cálculo mental que a Lucia emprega para realizar uma soma de números inteiros e de números racionais (operando com preços de mercadorias) será transcrito a seguir.
Figura 11: A Lúcia aprendendo o algoritmo da soma no papel.
Ao iniciarmos uma aula de matemática, perguntei à Lucia, inicialmente, se ela sabia somar de 10 em 10, o que ela respondeu que sim.
Perguntei quanto era 10+10, 20+10, 30+10 e assim por diante até 90+10, no que ela deu todas as repostas certas.
Então perguntei quanto era 4+5, no que ela respondeu 9.
Perguntei quanto era 9+7 no que ela respondeu 16.
Perguntei quanto era 20+7, no que ela respondeu 27.
Ela então reafirmou que “de cabeça” ela sabia fazer contas, mas que no papel não sabia.
Partimos então para o algoritmo da soma no papel, o qual ela se mostrava interessada e ansiosa em aprender.
Coloquei como exemplo a soma do número 247 com o número 118.
Mostrei como se efetuava essa soma, somando as casa das unidades, das dezenas e das centenas, adicionando o 1 do número 15 (resultado de 7 + 8) aos números das casas das dezenas. O que deu como resultado final 365.
Ela então me disse: “Eu somo isso de cabeça, mas assim eu não sabia”.
Pedi então para ela me dizer como ela fazia aquela conta “de cabeça”.
Então ela explicou:
Lúcia: 200 + 100 é 300 (somou as centenas).
Lúcia: 300 + 18 dá 318 (somou as centenas com o 18 que tinha sobrado de 118).
Lúcia: Agora, 318 + 40 dá 358 (somou o resultado anterior com as dezenas que sobraram no 247).
Lúcia: E 358 + 7 é 365 (somou a 358 as unidades que faltavam de 247).
E concluiu que havia dado o mesmo resultado que no papel.
Peguei então um outro exemplo de soma dos preços de dois produtos em um encarte de um supermercado.
Peguei 2,95 euros (que era o preço de 1kg de carne de coelho) e 0,73 (73 centimos) que que era o preço de um outro produto, para somarmos.
Efetuamos então a soma no papel usando o algoritmo usual.
Ela então me disse que no supermercado ela fazia aquela conta de cabeça, mas que assim ela não sabia.
Perguntei como ela fazia aquela conta “de cabeça”?
Ela explicou:
Lúcia: Tem 2 euros e 95 centimos, tiro 3 centimos (com o dedo sobre os 73 centimos, se referindo a retirar os 3 centimos de 73 centimos).
Lúcia: Fica 2 euros e 98 centimos.
Lúcia: Tiro 2 centimos.
Lúcia: Fica 68 centimos.
Lúcia: Com os 3 euros dá 3 euros e 68 centimos.
Eu então perguntei: Deu o mesmo resultado que no papel?
Ela olhou e disse: Deu.
Falei para ela que iríamos fazer outro exemplo e ela concordou.
Disse que queríamos somar 125 com 98.
Deixei ela me dizer como armamos a conta e como efetuamos.
Ela efetuou corretamente, conforme os exemplos anteriores, achando 223.
A Lúcia só teve dificuldade quando foi somar a casa das centenas, pois no número 98 não havia algarismo na casa das centenas.
Informei a ela que como não havia um algarismo na casa das centenas no número 98, podíamos considerar como sendo o zero.
Ela então perguntou se seriam 223 euros (em uma alusão ao concreto no cotidiano).
Eu disse a ela que se 125 e 98 fossem euros, que o resultada da conta seria em euros.
Perguntei como ela fazia aquela conta de cabeça e ela disse:
Lúcia: Tira 2 (com o dedo no 125).
Lúcia: Faz 200.
Lúcia: Depois fica 23 (com o dedo ainda no 125).
Lúcia: Com 200 dá 223.
Nesse momento, ela disse que tinha que ver a panela que estava no fogo e que voltaria.
Achei que ela não fosse mais voltar.
Mas, ela voltou disse que faria mais uma conta de somar, pois tinha que tomar conta da panela com a comida que estava fazendo.
Passei então uma conta para ela fazer sozinha.
Coloquei 456 + 207 e dei para ela fazer.
Ela efetuou corretamente, utilizando o algoritmo aprendido e achando o resultado 663.
O processo mental empregado pela Lúcia para realizar uma conta faz parte de um saber/fazer matemático proveniente da necessidade do dia a dia de efetuar um cálculo. Uma necessidade na busca de maneiras de lidar com o seu cotidiano.
Uma forma de lidar com o ambiente que a cerca.
Uma necessidade pela sobrevivência, já que ela precisa fazer compras em um mercado, recarregar um título de transporte público etc.
Ela realiza um algoritmo mental que a possibilita lidar com questões de sobrevivência.
De acordo com Ubiratan D’Ambrósio:
Dentre as distintas maneiras de fazer e de saber, algumas privilegiam comparar, classificar, quantificar, medir, explicar, generalizar, inferir e, de algum modo, avaliar. Falamos então de um saber/fazer matemático na busca de explicações e de maneiras de lidar com o ambiente imediato e remoto. Obviamente, esse saber/fazer matemático é contextualizado e responde a fatores naturais e sociais. (D’Ambrósio, 2011, p.22).
Uma outra moradora do bairro, extremamente inteligente e interessada em aprender, se chama Rita.
Em um outro dia de aula de matemática, como havia outras atividades com as crianças, nós acabamos ficando sem um lugar tranqüilo para realizarmos a aula de matemática.
Mas isso não foi problema nem motivo para que não realizássemos a aula.
A Eunice (uma outra simpática cabo-verdiana, moradora há 6 anos no bairro) ofereceu para utilizarmos a varanda da casa dela. Ela trouxe a mesa de dentro da casa para a varanda e providenciou cadeiras para nos sentarmos.
A Rita, em principio, não queria participar, dizendo que já tinha mais de 40 anos e que “não dava mais para aprender a fazer contas”.
Eu e a educadora Sandra Mattos dissemos à Rita que não há idade para aprender algo. Nem matemática. E insistimos para que ela participasse da aula.
Dissemos que há muitas coisas que nós também não sabemos, mas não nos julgamos “velhos” para aprender.
Dissemos que se ela havia aprendido a ler e escrever no Projeto Fronteiras Urbanas então poderia também aprender a fazer contas.
A conversa travada em um clima de amizade, num ambiente cordial, sem uma relação tradicional professor-aluno, fez com que a Rita fosse ficando mais à vontade, abandonando a vergonha inicial de estar com pessoas que não eram as que ela estava acostumada no Projeto Fronteiras urbanas.
A Rita então resolveu participar da aula de matemática juntamente com a Eunice.
Nas figuras 12, 13 e 14, a seguir, temos a Rita e a Eunice participando da aula de matemática comigo e com a Sandra Mattos.
Figura 12: Rita e Eunice em uma aula de matemática comigo e com a Sandra Mattos.
Figura 13: A Rita fazendo uma conta no papel sozinha.
Figura 14: A Rita fazendo contas no papel.
A alegria da Rita era radiante ao apreender o algoritmo da soma, no papel (figuras 15 e 16). A Eunice já conhecia o algoritmo da soma, que havia aprendido na escola em Cabo Verde. Mas, mesmo assim, ela fez questão de participar da aula e fazer as contas que eram passadas, no papel.
Figura 15: A alegria da Rita fazendo contas no papel.
Figura 16: Algumas contas da Rita no papel.
Rita Tavares, 42 anos, que aprendeu a ler e escrever pelo projeto Fronteiras Urbanas.
A Rita nos informou que não sabia fazer contas de somar.
Ela sabia fazer algumas pequenas contas, como 20 + 8 que ao ser perguntada, respondeu, depois de algum tempo pensando, que era 28. Mas outras contas um pouco maiores como 45 + 52 ela não soube responder.
Ao ser perguntada como ela fazia quando ia ao mercado comprar alguns produtos e precisava saber o preço total das compras para poder pagar, ela disse, mostrando as mãos, que pegava as moedas que tinha e estendia as duas mãos para a pessoa no caixa pegar o valor correspondente as compras.
Percebemos certo constrangimento da Rita não só em nos contar isso, mas também em ter que fazer isso em um supermercado com outras pessoas na fila olhando.
Partimos então para a aula, onde mostramos como realizar uma soma utilizando o algoritmo usual para soma.
Começamos então com a soma de dois números naturais com dois algarismos.
A Rita entendeu bem o processo e realizou alguns exemplos, sozinha.
A filha da Rita, de nome Eliana, chegou e sentou-se ao lado da mãe.
Ela já conhecia o algoritmo da soma e pegou um papel para fazer também as contas que eram passadas para mãe.
Passamos então para números com três e quatro algarismos.
A Rita vibrava e batia palmas à medida que realizava sozinha uma conta de somar e acertava.
Ela realizava as contas de somar e depois conferia se a conta que a filha havia feito estava correta.
Por duas vezes, a filha Eliana, se aborreceu, baixando a cabeça, pois, na tentativa de realizar a conta antes da mãe, havia errado e a Rita, depois de realizar a conta corretamente, verificou o erro da filha.
A vibração da Rita era emocionante! Ela mesma batia palmas (e nós acompanhávamos) cada vez que fazia uma conta.
Um momento emocionante foi quando ela disse que agora poderia acompanhar as contas que a filha fazia e que ela nunca pôde ajudar ou verificar se estavam corretas.
Passamos então a somar os preços de alguns produtos que ela compra em um mercado. Isto corresponde a soma de números racionais em representação decimal com duas casas (que correspondem aos centimos).
Mostramos como era o processo deste tipo de operação e fizemos um exemplo com ela. Então passamos alguns exemplos para ela fazer sozinha.
Ela fazia todas as contas corretamente.
O tempo passava e nem percebíamos. A cada conta que a Rita fazia ela batia palmas, agradecia, dizia que tínhamos que estar todos os sábados lá, e pedia mais uma conta para fazer.
Foi difícil conseguirmos sair naquela tarde da casa da Eunice (onde improvisamos uma sala de aula para matemática). A Rita não queria parar de fazer contas. Ao término de cada conta era uma salva de palmas e o pedido da Rita para passar outra conta.
Outro momento emocionante foi quando ela disse que agora poderia saber quanto gastaria para comprar mais de um produto no mercado.
Disse que nunca pensou que conseguiria em vida aprender a somar e que ouviu dizer que “quando morremos e chegamos do outro lado sabemos coisas que não sabemos aqui na terra”.
Uma alusão ao conformismo de delegar ao além aquilo que almejava saber aqui na terra.
Workshop Só sabão (um outro momento de aprendizagem no bairro):
Em 19 de abril tivemos, na comunidade do bairro da Costa de Caparica, o Workshop só sabão. Uma equipa, sob o comando da Filipa, formada em Farmácia, esteve presente na escola do bairro para um workshop que ensinou as pessoas presentes a produzir sabão a partir de óleo usado (figura 17).
Figura 17: Equipa do Só Sabão ensinando a fazer sabão.
Várias pessoas do bairro estiveram presentes e participaram da aula prática que ensinou a todos como produzir sabão com óleo de cozinha usado, azeite de dendê etc (figura 18).
Figura 18: As pessoas preparando o sabão.
Vários conteúdos matemáticos foram utilizados no processo de produção do sabão: razão e proporção; unidades de medidas (da água, do óleo e da soda cáustica); leitura dessas medidas através da utilização de instrumentos como uma balança usada para pesar os líquidos. Os moradores do bairro além de aprenderem como fazer seu próprio sabão, aprenderam também que podemos pesar um líquido e aprenderam a fazer leitura em instrumentos de medição (figura 19).
Figura 19: Filipa da equipa “Só Sabão” dando instruções.
Eventos, como o Workshop Só Sabão, que acontecem no bairro da Costa de Caparica são muito importantes para a comunidade. Não só pela aprendizagem específica a que o evento se propõe, mas também pela interdisciplinaridade envolvida nessas atividades.
No Workshop Só Sabão as pessoas aprenderam que o óleo de cozinha usado pode ser utilizado para produzir um produto de uso diário, que é o sabão (sustentabilidade e meio ambiente). Aprenderam que ao se misturar determinadas substâncias químicas produz-se novas outras substâncias (processos químicos). Aprenderam que ao se misturar hidróxido de sódio (ou soda cáustica – NaOH) com água há liberação de calor, fazendo a água esquentar (reações quimicas). Aprenderam sobre mudança de estado físico da matéria (óleo + água + soda cáustica cuja mistura está no estado líquido se transformará em uma barra de sabão após dois dias). No que diz respeito à matemática, vários conteúdos estiveram envolvidos no processo de fabricação do sabão: unidades de medidas de massa (quilograma e seu submúltiplo grama), utilização de instrumentos de medição como a balança (deve-se pesar 1Kg de óleo, 136g de soda cáustica e 270g de água), unidades de medida de tempo (dois dias para retirar o sabão do recipiente e mais um mês para diminuir o ph e o sabão poder ser usado), formas geométricas (o sabão tomará a forma geométrica do recipiente que você colocá-lo).
Além de uma aprendizagem em assuntos de várias áreas do conhecimento, ainda há dois fatores importantes que são: o ambiental, pela reutilização do óleo para produzir sabão; e o financeiro, gerando uma economia no custo da compra deste produto.
Atividade de aprendizagem lúdica:
Na figura 20, a seguir, temos a Filipa e a Silvia Franco dando instruções às crianças sobre uma atividade lúdica, nomeada “caça ao tesouro”, que consistia na verdade na “caça ao chocolate”. Foi uma atividade muito boa feita com as crianças na Páscoa, onde as crianças tinham que seguir as informações em um mapa para encontrar as nove fitas coloridas (cada uma de cor diferente) que as levariam a ganhar o chocolate.
Essa atividade tem uma importância, como atividade matemática, no que se refere ao raciocínio dedutivo, à interpretação (leitura de um mapa que mentalmente está associado à coordenadas) e à lógica.
Figura 20: Ana Filipa e Silvia Franco dando explicações às crianças.
Considerações Finais:
Realmente, não tinha ideia do quão abrangente era o projeto Fronteiras Urbanas e nem da realidade daquelas pessoas. Não pensava que situações assim pudessem acontecer em um país desenvolvido da Europa. Centenas de pessoas sem condições dignas de vida, sem água, sem saneamento básico, enfim, sem o mínimo necessário para viver dignamente. Porém, os membros desta comunidade de bairro da Costa de Caparica reconhecem a importância do projeto para a comunidade, através do conhecimento produzido e do esclarecimento da necessidade da luta por melhorias da qualidade de vida deles.
O Projeto Fronteiras Urbanas vem exatamente na direção de uma pedagogia de libertação pelo conhecimento construído nas comunidades as quais ele está direcionado.
É um projeto que atende aos anseios das comunidades locais em sua plenitude. Comunidades que, apesar dos constantes apelos às autoridades locais, mais de 400 pessoas vivem há mais de 30 anos, em plena zona urbana, ainda sem água canalizada e sem saneamento básico.
A história do Sr. Durval Carvalho, por exemplo, me impressionou bastante: A fala dele sobre como entrou em Portugal passando pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteira. Pela felicidade das pessoas que viviam junto com ele e com o tio. Pelas dificuldades passadas. Pelo constrangimento e humilhação com a situação vivida com o “dono do cemitério” (que chamou a polícia só porque ele conversava com uma mulher branca), que acabou lhe rendendo perseguição pela polícia. E com o seu filho no primeiro dia do jardim de infância quando a professora pediu que as crianças lavassem as mãos, saiu a procurar um alguidar, pois sequer sabia que em uma torneira saia água. (Mesquita, 2014).
Melhor do que ninguém, essas pessoas sabem da importância do projeto Fronteiras Urbanas para a sua comunidade. De acordo com Paulo Freire:
Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. (Freire, 1987, p.17).
Infelizmente, alguns problemas educacionais são deixados de lado de forma a atenderem aos interesses de uma sociedade, em oposição às necessidades de uma comunidade, objetivando fazer com que se ignorem as questões políticas e sociais.
Isto ocorre em qualquer lugar, onde haja opressão como forma de não deixar com que as pessoas se libertem da sua condição de oprimidas, através do conhecimento.
Precisamos de um novo conceito de educação, baseado em uma reflexão crítica, com instrumentos viáveis e válidos, envolvendo os elementos culturais e sociais.
Precisamos de um novo conceito de currículo, respaldado no currículo trivium de Ubiratan D’Ambrósio, com base nos instrumentos comunicativos, analíticos e materiais.
Não se trata de introduzir novas disciplinas ou de rotular com outros nomes aquilo que existe. A proposta é organizar as estratégias de ensino, aquilo que chamamos currículo, nas vertentes que chamo literacia, materacia e tecnoracia. Essa é a resposta ao que hoje conhecemos sobre a mente e o comportamento humano. (D’Ambrósio, 2011, p.67).
Um currículo que permita, antes de qualquer coisa, atingir os conhecimentos necessários a sobrevivência e a luta por uma sociedade mais justa e igualitária. Não um currículo que transcreva disciplinas apenas, mas que permita alcançar uma educação crítica. Pois, de acordo com Maria do Céu Roldão, “Se o currículo é assimilado apenas a conjunto de disciplinas, poderemos ter excelentes listagens ou estruturas de conhecimentos, mas não temos certamente um currículo escolar, orientado para as suas finalidades educativas próprias”. (Roldão, 1999, p. 13).
Finalizo este relatório com uma citação de Teresa Vergani:
Há uma ética associada ao conhecimento matemático, cuja prática é guiada pelo conhecimento de nós próprios, pela diluição das barreiras entre indivíduos, pela construção de uma “harmonia ancorada em respeito, solidariedade e cooperação”. Daí que os estudantes sejam sempre mais importantes do que currículos ou métodos de ensino; que o conhecimento não possa se dissociado da plenitude humana nem do aluno nem do formador; que tanto a paz pessoal como a paz ambiental, social e cultural sejam corolários de um posicionamento correto face à vida, face ao conhecimento e face ao cosmos. (Vergani, 2007, p. 32).
Referências Bibliográficas:
D’Ambrósio, U. (2011). Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. (4a ed.) Belo Horizonte: Autêntica.
Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. (17a ed.) Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Knijnik, G. (2002). Itinerários da Etnomatemática: Questões e Desafios Sobre o Cultural, Social e Político na Educação Matemática. Educação em Revista, 36, pp. 161-176.
Mattos, J. R. L. & Brito, M. L. B. (2012). Agentes rurais e suas práticas profissionais: elo entre matemática e etnomatemática. Ciência & Educação, 18(4), pp. 965-980.
Mesquita, M. (2014). Projeto Fronteiras Urbanas: A dinâmica de encontros culturais na educação comunitária. Relatório de Progresso para FCT. Lisboa: IEUL.
Moreira, D. (2009). Técnicas Populares e sua Aprendizagem: o caso da Etnomatemática. In: Dias, P. (Org.). Museus e Patrimônio Imaterial. Agentes, fronteiras e identidades. Lisboa: Instituto dos Museus e da Conservação.
Palhares, P. (Org.). (2008). Etnomatemática. Um olhar sobre a diversidade cultural e a aprendizagem matemática. Ribeirão: Edições húmus.
Roldão, M. C. (1999). Educação escolar e currículo. In Currículo: gestão diferenciada e aprendizagens de qualidade. IV Fórum do Ensino Particular e Cooperativo. Algarve: aeep.
Sacristán, J. G. (2000). O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: ArtMed.
Vergani, T. (2007). Educação Etnomatemática: O que é?Natal: Flecha do Tempo.
ANEXOS
Ethnomathematics in non-formal educational settings: The Urban Boundaries Project
Authors: Alexandre Pais and Mônica Mesquita
The push to marry off local and school knowledge has been a growing concern within educational sciences, particularly in mathematics education where a field of studies by the name of ethnomathematics has been producing research around the uses people do of mathematics outside school’s walls. Notwithstanding the good will of educational agents in bringing to schools local knowledges, criticisms have been made on the sometimes naive way in which such a bridge is theorized and implemented. After a brief description of these criticisms, we present the Urban Boundaries Project as an attempt to avoid the inconsistencies of schooling, and the promotion of a non-scholarized ethnomathematics.
Introduction
A significant part of ethnomathematics research has educational aims (Borba, 1990; Gerdes, 1995; Barton, 1996; Powell & Frankenstein, 1997; Knijnik, 2004), seeking to bring to the schools or other formal educational environments (like indigenous schools) the knowledge and the mathematical practices of cultural groups of people. This makes ethnomathematics research part of a multicultural approach in education that during the last 30 years has aimed to open schools to the cultural diversity that characterizes our current societies. However, notwithstanding the good will of well intentioned agents, the ways in which the “bridge” between local knowledge and school knowledge is made has been the target of a strong criticism (e.g., Skovsmose & Renuka, 1997; Rowlands & Carson, 2002; Pais, 2011), and some authors have called attention for the problems involved in bringing local knowledge into school settings (e.g., Dowling, 1998; Duarte, 2004; Pais, 2011). At stake in these criticisms is the ethnomathematical assumption that by bringing local knowledge into schools a multicultural education can be achieved. In this article we start by exploring these criticisms. They call our attention to the specific character of schooling, and how the ethnomathematical push to marry off local knowledge and schooling can very well ending up conveying and idea of culture where the Other is squeezed from its otherness (Pais, 2011). Afterwards, we introduce the Urban Boundaries Project—a project based in Portugal and funded by the Fundação para a Ciência e Tecnologia—as an example of an ethnomathematical project that is not concerned with bringing local knowledge into schools, but rather to problematise within the local communities the knowledge and the competences they need it in situ. It is the wager of this article that our society needs to create alternative educational settings as a response for the increasing problem of exclusion faced by so-called minority populations. As long as schools are structured as credit systems (Vinner, 1997), only within non-scholarized settings can a genuine ethnomathematical approach be reached.
Ethnomathematics and schools
By reading the six guiding questions of the Topic Study Group for which we are submitting this paper[1], we easily notice how ethnomathematics is conceived in a strict relation with school. The spirit behind these questions in one that seeks to use research regarding mathematical thinking developed outside school to improve the understanding of mathematics and mathematics teaching and learning in school. This seems to be the most common approach to ethnomathematics within mathematics education research (Adam, Alangui & Barton, 2003): the use of students’ ethnomathematical knowledge to construct a bridge for the learning of school mathematics. However, researchers such as Knijnik (2004) clearly state that “it is not a matter of establishing connections between school mathematics and mathematics as it is used by social groups, with the purpose of achieving a better learning of school mathematics” (p. 228). Where some see as unproblematic the “making of the bridge” between local and school knowledge, others criticize this learning strategy, claiming a place for a more serious understanding of the role of school and how local knowledge is inserted into it. As explored by Pais (2011), the problem with the “bridge metaphor” is the reinforcement of the hegemony of school mathematics because the Other is valorised only as a way to achieve the true knowledge. Thus, it contradicts the critique that ethnomathematics makes to the hegemony of academic mathematics.
At stake here is what ethnomathematicians such as Knijnik (2004), Monteiro (2004), and Duarte (2004) have been referring to as the folkloric way in which ethnomathematical ideas appear in the curriculum. According to them, the use of local knowledge as a curiosity to start the learning of school mathematics could be the cause of social inequalities. However, to truly include ethnomathematical ideas in the curriculum is no less problematic. If we focus on a regular school and take into account its role in preparing students for a globalized market-orientated society, with all the pressure to learn the mathematics of the standard curriculum that will be essential to students’ approval in the high stakes tests, we can ask ourselves if there is a place for ethnomathematical knowledge (or other local, nonscholarly knowledge)? As explored in Pais (2011), after a review of the current research being done in ethnomathematics, the educational implications of ethnomathematics (in a regular school) end up being co-opted by a school that is worried with the uniformization/globalization of knowledge—and not so much with issues of diversity. Monteiro (2004), a Brazilian ethnomathematician, poses the crucial question: “Is it possible to develop ethnomathematical work in the current school model?” (p. 437, our translation from Portuguese).
What is at stake here is the very often disavowed role of schools as places of economical production and ideological reproduction (Pais, in press). One of the main features of ethnomathematics research consists in developing a critique of what is accepted as being mathematical knowledge, by the confrontation of knowledge from different cultures. The existence of different ways of dealing with quantity, space, and patterns are now well documented, and it is not possible to deny them. But, to pass from this acknowledgement to the aim of inserting it in a school setting in order to be disseminated through school education is problematic because schools are not open spaces of shared knowledge. On the contrary, curricular changes, especially when the subject is mathematics, are very strict. Whether we choose to use this different knowledge as a curiosity, an illustration or a “starter” to the formal mathematics of the curriculum, or to develop a curriculum where one of the topics is local knowledge per se, the result may not be students’ emancipation or the valorisation of different cultures. On the contrary, the process of bringing diversity and ethnomathematical ideas into the classroom may end up conveying practices opposed to the benevolent multicultural ideas these researchers want to enforce, by promoting a desubstantialized view of Other’s culture (Pais, 2011).
Urban Boundaries Project
This problem is connected with the educational aims of today’s world. Together with globalization, the concern with diversity is currently considered to be one of the two main educational functions (Izquierdo & Mínguez, 2003). While globalization refers to the social need to respond to market globalization, which imposes a convergent education by training individuals to perform a role in the global society, diversity demands an integration of different cultures in a model of divergent education, able to educate citizens in what has been called equity within diversity. To conciliate these two educational tasks could be a source of problems, as documented by recent research on the cultural dimension of education (e. g. Kincheloe & Steinberg, 2008); and as we previously addressed regarding the educational implications of ethnomathematics. This is especially the case in so-called developed countries where national cultural minorities and newer immigrant populations have been posing new challenges for education. In many cases, these populations rely more on non-formal educational sites, based in their everyday lives, than in the formal setting of school education, where they often experience problems of exclusion.
As a way to avoid the inconsistencies of school, a group of people from different backgrounds (among others, architects, biologists, physicists, teachers, and mathematics education researchers) decided to join efforts and built a project together with two communities, one based in a agricultural land and another dedicated to piscatoy activities, based in the outskirts of Lisbon. These communities are constituted by immigrant populations from other Portuguese-speaking countries, Gipsies, and Portuguese migrants. They have been experiencing throughout half a century diverse problems of inclusion—from the inexistence of piped water to the silencing of their voices in the political arena—, particularly concerning schooling. Through the development of a critical alphabetization, a multiple cartography and life-history portfolios we seek to address the educational needs of these populations in situ, that is, in the midst of their everyday lives where survival with dignity is often the first and foremost important daily struggle. Therefore, it is the everyday problems felted by these two communities that guide the organization of parameters that support a multicultural education curriculum based on the socio-cultural and economic reality of these communities. This way, we seek to address the tension between globalization and diversity by means of submitting these two educational aims to the needs of the communities, which have been systematically excluded both from globalization and from the social recognition of their differences.
It is our contention that this approach reduces the risk of desubstancialization, since we are working in the basis of communities’ local knowledge, and focusing on their communicative, analytic and material resources; and from the real problems they felt in their daily struggles in the midst of a society that doesn’t recognize them as citizen on their own right. In such an environment, ethnomathematics (as defined by D’Ambrosio (2002), who partly substantiates our approach to mathematics and education) acquires its full meaning: not some kind of pre-school mathematics ready to be used in the teaching and learning of school mathematics, but an all-encompassing societal program based on the idea that there are several ways, techniques, skills (tics) to explain, understand, deal with and live with (mathema) distinct natural and socioeconomic realities (ethnos). Against this background, ethnomathematics appears not so much as the study of “different mathematics”, but as a way to deal with different forms of “knowing” (Mesquita, Restivo & D’Ambrosio, 2011). In the Urban Boundaries Project ethnomathematics is not to be confused with a subfield of mathematics education, designed to improve school mathematics, but as a political space where new forms of emancipation can be thought and practiced.
References
Adam, S., Alangui, W., & Barton, B. (2003). A comment on: Rowlands and Carson “Where would formal, academic mathematics stand in a curriculum informed by Ethnomathematics? A critical review”. Educational Studies in Mathematics, 52, 327–335.
Barton, B. (1996). Making sense of ethnomathematics: Ethnomathematics is making sense. Educational Studies in Mathematics, 31, 201–233.
Borba, M. (1990). Ethnomathematics in education. For the Learning of Mathematics, 10(1), 39–43.
Dowling, P. (1998). The sociology of mathematics education: Mathematical myths, pedagogic texts. Washington: Falmer Press.
D’Ambrosio, U. (2002). Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade [Ethnomathematics: Linking tradition with modernity]. Belo Horizonte: Autêntica.
Duarte, C. (2004). Implicações curriculares a partir de um olhar sobre o “mundo da construção civil” [Curricular implications from a look into the “world of construction”]. In G. Knijnik, F. Wanderer, & C. Oliveira (Eds.), Etnomatemática: Currículo e formação de professores [Ethnomathematics: Curricula and teacher education]. Santa Cruz do Sul: Edunisc.
Gerdes, P. (1995). Ethnomathematics and education in Africa. Stockholm: Institute of International Education, University of Stockholm.
Izquierdo, H., & Mínguez, A. (2003). Sociological theory of education in the dialectical perspective. In C. Torres & A. Antikainen (Eds.), The international handbook of the sociology of education: An international assessment of new research and theory. Rowman: Littlefield Publishers.
Kincheloe, J., & Steinberg, S. (2008). Indigenous knowledges in education. In N. Denzin, L. Smith, & Y. Lincoln (Eds.), Handbook of critical and indigenous methodologies. Thousand Oaks: Sage.
Knijnik, G. (2004). Etnomatemática e educação no movimento sem terra [Ethnomathematics and education in the landless movement]. In G. Knijnik, F. Wanderer, & C. Oliveira (Eds.), Etnomatemática: Currículo e formação de professores [Ethnomathematics: Curricula and teacher education]. Santa Cruz do Sul: Edunisc.
Mesquita, M., Restivo, S. & D’Ambrosio, U. (2011). Asphalt children and city streets: A life, a city, and a case study of history, culture, and ethnomathematics in São Paulo. Sense Publishers.
Monteiro, A. (2004). A etnomatemática em cenários de escolarização: Alguns elementos de reflexão [Ethnomathematics in schooling scenarios: Some elements for reflection]. In G. Knijnik, F. Wanderer, & C. Oliveira (Eds.), Etnomatemática: Currículo e formação de professores [Ethnomathematics: Curricula and teacher education]. Santa Cruz do Sul: Edunisc.
Pais, A. (2011). Criticisms and contradictions of ethnomathematics. Educational Studies inMathematics 76(2), 209-230.
Pais, A. (in press). A critical approach to equity in mathematics education. In B. Greer and O. Skovsmose (Eds.), Critique and politics of mathematics education. Sense Publishers.
Powell, A., & Frankenstein, M. (1997). Ethnomathematics: Challenging Eurocentrism in mathematics education. Albany: State University of New York Press.
Rowlands, S., & Carson, R. (2002). Where would formal, academic mathematics stand in a curriculum informed by ethnomathematics? A critical review of ethnomathematics. Educational Studies in Mathematics, 50, 79–102.
Skovsmose, O., & Vithal, R. (1997). The end of innocence: A critique of ‘ethnomathematics’. Educational Studies in Mathematics, 34, 131–158.
Vinner, S. (1997). From intuition to inhibition—mathematics education and other endangered species. In E. Pehkonen (Ed.) Proceedings of the 21th Conference of the International Group for Psychology of Mathematics Education (PME21) (Vol. 1, pp.63–78). Lahti, Finland.
[1] Information about the group can be found in http://www.icme12.org/sub/tsg/tsgload.asp?tsgNo=36.