A Outra Costa – Renan Laporta / Trabalho de Final de Curso

Calor, verão, bolas de Berlim. Ondas, surf, vento, turismo. Peixe fresco e esplanadas. O que mais define a Costa da Caparica? Explorando realidades invisíveis numa cidade de turismo balnear.

 

 

 

 

 

 

 

Bairro das Terras da Costa visto do miradouro da Arriba Fóssil.

 

 

Hipnotizados pela beleza do horizonte, são poucos aqueles que desviam o seu olhar para a esquerda ao descer a reta final da IC20, que rasga a Arriba Fóssil em direção ao mar. É ali, em terras agrícolas abrangidas pela Reserva Ecológica Natural e pela Reserva Agrícola Nacional, que residem cerca de quatrocentas e setenta pessoas em condições parcialmente ilegais. Portugueses e imigrantes, em sua grande maioria oriundos de países de Língua Oficial Portuguesa, mas, acima de tudo, pessoas que lutam para sobreviver sem o direito de acesso à água.

A Costa de Caparica é uma cidade costeira, situada na margem sul do rio Tejo, de frente para a capital Lisboa e geograficamente limitada pelo oceano e a face da Arriba Fóssil. É uma cidade dormitório para as pessoas que trabalham na capital e uma importante estância balnear, não só para os turistas de todo o mundo, mas também para a elite de Lisboa que mantém propriedades de luxo de veraneio e também o seu direito de voto no local.

 

A Costa de Caparica é igualmente uma vila de pescadores. Esta cidade foi fundada por duas comunidades distintas de pescadores de Ílhavo e Olhão – localizadas no norte e no sul de Portugal, respectivamente. A Comunidade Piscatória está situada na zona costeira desta cidade – conhecida popularmente como Costa. Em contraste, a zona rural – localizada na base dos penhascos fósseis, é popularmente conhecida como Terras da Costa. Nesta zona rural foi desenvolvida uma comunidade agrícola autodesignada Comunidade das Terras da Costa.

 

Notícia

As centenas de pessoas desta comunidade habitam há mais de 30 anos um local urbano, ao lado de uma capital europeia, sem ter acesso à água e ao saneamento básico. Existem duas formas dos moradores deste lugar invisível  terem água: captando água da chuva, através de sistemas de colheita caseiros, ou recolhendo água numa bica que se situa ao lado da IC20, por caminhos de terra batida, a 1km das Terras da Costa.

Desde 2009, procuram uma forma mais sistemática de se estruturarem, compreendendo que apenas conseguirão qualquer melhoria das suas gritantes condições de exclusão socioeconómica constituindo um grupo representativo das suas vozes. No final de 2012, integrados no Projeto Fronteiras Urbanas, começaram a delinear um processo democrático de constituição de uma Comissão de Moradores local. Em Maio de 2013,foi constituída tal comissão através de um processo eleitoral que contou com mais de 90 % dos moradores (e eleitores) locais. Porém, mesmo com uma comissão de moradores eleita, os processos de diálogo com o governo local têm sido muitas vezes morosos ouaté inexistentes.

A entrada de diferentes grupos de arquitetos no ano de 2012/2013 pelo Projeto Fronteiras Urbanas foi uma alavanca impulsionadora no sentido de se estabelecer tal diálogo. Os moradores locais, oprimidos e silenciados em anos de existência, hoje em dia atuam em diferentes frentes de expansão – o que tem sido, de fato, o maior instrumento de diálogo com o exterior da comunidade, tanto com a sociedade local como com o resto do mundo.

Uril, jogo tradicional

O património humano local começa a transmitir o seu potencial através das suas bases culturais, e lança o Batuko, o Kriolue oUril (música, língua e jogo cabo-verdianos), a Dança Cigana, o Romani e a Culinária Multicultural local como ferramentas de libertação no sentido de expansão. É possível notar que, com este movimento,se criou uma identidade espacial local e à partir da qualse começam a ver moradores das Terras da Costa a trabalhar com os pescadores locais, ou mesmo apenas a conhecer o mar que, mesmo estando tão perto geograficamente, ainda era um espaço desconhecido para alguns moradores.

O grande contraste revela-se face aos prédios (arranha-céus na perspectiva proposta) que demarcam uma linha visível de divisão entre a cidade e a comunidade. Do mesmo modo,o facto de terem acesso à TV por satélite sem terem acesso básico à água canalizada contrasta com alegria com que vivem e sobrevivem os membros da comunidade, a qual não se sente com tanta itnensidade  no centro urbano.

Retirar o véu da invisibilidade desta comunidade, invisível aos olhos dasociedadelocal,é garantir a suaexistência, expandir as suas potencialidades e respeitar os direitos à vida com dignidade.