Relatório de pós-doutoramento – José Roberto Linhares de Mattos

UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

 

 

 

RELATÓRIO DE PÓS-DOUTORAMENTO

Período: 10 de janeiro a 10 de julho de 2014

 

JOSÉ ROBERTO LINHARES DE MATTOS

 

ORIENTADORES: PROFESSORA DOUTORA ANA PAULA VIANA CAETANO  E  PROFESSOR DOUTOR HENRIQUE MANUEL GUIMARÃES

PROJETO: FRONTEIRAS URBANAS – INVESTIGADORA PRINCIPAL: PROFESSORA DOUTORA MÔNICA MESQUITA

 

ÍNDICE

 

Introdução ………………………………………………………………………………………………………. 1

Atividades em eventos ……………………………………………………………………………………… 2

Atividades no IEUL ………………………………………………………………………………………… 3

Produção de artigo ………………………………………………………………………………………….. 6

Visitas em escolas ……………………………………………………………………………………………. 6

Atividades no Projeto Fronteiras Urbanas ………………………………………………………. 9

Considerações finais ……………………………………………………………………………………… 22

Referências bibliográficas …………………………………………………………………………….. 24

Anexos …………………………………………………………………………………………………………. 25

 

INTRODUÇÃO

 

Este relatório se refere às atividades desenvolvidas durante o Pós-doutoramento no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, compreendendo o período de 10 de janeiro a 10 de julho de 2014.

O plano de trabalho do pós-doutoramento teve como foco principal trabalhar a Educação em Ambientes Multiculturais, em uma perspectiva etnomatemática, na linha do Projecto Fronteiras Urbanas: A dinâmica cultural na Educação Comunitária (FU).

Para tanto, desenvolvi investigação e acompanhei as atividades da “Escola do Bairro” organizada pelo Projeto Fronteiras Urbanas em uma comunidade localizada na Costa de Caparica. Estas atividades estão descritas abaixo e serão usadas para a escrita de um futuro artigo na área de Educação Matemática, mais precisamente, em Etnomatemática.

Para além disso, acompanhei, também, atividades de formação avançada no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, participando das sessões do Seminário Temático do Programa do Doutoramento em Educação – Didática da Matemática, assisti a júri de defesa de Tese e de Projeto de Tese do referido Programa, participei no 1o Seminário Temático “Didática, Professores e Ensino”, do IEUL, participei de eventos científicos na área de Educação Matemática, apresentando trabalhos e como revisor de proposta de comunicação científica, visitei duas escolas modelos em Portugal e conclui um artigo científico que estava em andamento, na área de matemática.

Podemos considerar este relatório como dividido em duas partes. A primeira contemplando todas as atividades que não estão relacionadas ao Projeto Fronteiras Urbanas. A segunda contemplando as atividades relacionadas especificamente ao referido Projeto. As considerações finais é apenas um fechamento do relatório e contempla esta segunda parte, se referindo a Educação Crítica, no âmbito do FU.

 

Atividades em eventos com apresentação de comunicação oral:

Revisão de proposta de comunicação oral:

Por convite da comissão organizadora do XXV Seminário de Investigação em Educação Matemática (SIEM) realizado em Braga – abril de 2014, fui revisor de uma proposta de comunicação para o referido evento.

Apresentação de trabalho no XXV SIEM:

Título: Etnomatemática em uma comunidade quilombola

O trabalho mostrou parte de uma pesquisa desenvolvida em uma comunidade quilombola na cidade de Macapá, no Estado do Amapá, no Brasil. O objetivo foi mostrar como os processos de produção e comercialização de farinha podem se relacionar com os conteúdos ministrados durante as aulas de matemática. Procuramos descrever o modo como o professor de matemática da escola da comunidade pode ministrar suas aulas, buscando aproximar a escola do dia a dia dos moradores da comunidade, fazendo com que os alunos participem de atividades desenvolvidas na escola que se fundamentam nas concepções da etnomatemática. Mais precisamente, mostramos uma atividade, realizada com os alunos do 9º ano do ensino fundamental da escola da comunidade, que envolveu todo o processo de produção e comercialização da farinha produzida pelos moradores da comunidade. Mostramos a importância de vivenciar junto com o educando a realidade matemática disponibilizada pelo meio que os cercam. O professor não deve ter como cenário apenas a sala de aula, e sim levar o ensino para além das fronteiras da escola. Isto pode (e deve) ser feito em qualquer escola, independentemente do local onde a escola esteja inserida. O trabalho permitiu verificarmos que a etnomatemática presente no processo de produção da farinha pode ser relacionada aos conteúdos das aulas de matemática na escola da Comunidade, produzindo um saber que procura aplicabilidade na sua forma de conhecimento estabelecida na parceria com os trabalhadores que produzem e vendem o produto, contribuindo para os processos de ensino e de aprendizagem da matemática escolar.

Apresentação de trabalho no Profmat2014 (em anexo):

Título: Cultura: alicerce para ensinar e aprender

Preparar o professor indígena para educar o seu próprio povo e, assim, respeitar seus ritos e mitos tem sido um permanente desafio para o Brasil. Nesse sentido, a etnomatemática é tida como um caminho para o ensino e a aprendizagem na educação escolar indígena, de uma forma que respeite a cultura de cada etnia. O confronto entre a matemática do não índio e a vivenciada em um cotidiano tribal, tem como cenário a sala de aula da aldeia. O enfoque dos conteúdos curriculares de matemática com base na cultura de um povo indígena, no qual a escola está inserida, nos mostra ser uma boa ferramenta pedagógica no encontro da cultura indígena com a não indígena. O objetivo do trabalho foi apresentar um recorte de uma pesquisa maior sobre matemática de um povo indígena do Brasil. Fizemos algumasreflexões, críticase sugestões, a respeito da educação escolar indígena, em especial sobre o ensino e a aprendizagem da matemática, no sentidodamelhoriadapráticaeducacional, de um modogeral. Enfatizamos a importância da Matemática do currículo escolar ser ensinada de maneira contextualizada, com enfoque na cultura de um povo indígena, tendo um sentido e apresentando uma motivação para o aprendizado.

Atividades no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa:

Assisti em janeiro de 2104, a convite do Prof. João Pedro da Ponte, a um júri de defesa de Tese de Doutoramento no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.

Participação na Discussão II de Projetos de tese de doutoramento em Educação Didática da Matemática do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em março de 2014:

Projeto 1:

Cília Cardoso Rodrigues da Silva – Orientadora Maria de Lurdes Serrazina

Título: Flexibilidade do cálculo mental nas operações de multiplicação e divisão de alunos do 1o ciclo

Objetivo: compreender a flexibilidade do cálculo mental na aplicação de estratégias da resolução de tarefas das operações de multiplicação e divisão dos alunos do 1° Ciclo de escola pública do Brasil e de Portugal.

Projeto 2:

Graça Cebola – Orientadora: Joana Brocardo

Título: Estudo – proporcionalidade e cálculo flexível

Objetivo: Compreender, no contexto da resolução de tarefas de proporcionalidade, como é que alunos do 6.º ano desenvolvem uma forma de pensar e calcular flexível, ou seja, como é que constroem uma rede de relações entre conceitos, factos, números e operações, e como a utilizam na resolução de tarefas de proporcionalidade.

 

 

Projeto 3:

Lina Brunheira – Orientador: João Pedro da Ponte

Título: O raciocínio geométrico e espacial na formação inicial de professores

Objetivo: investigar a forma como os alunos da Licenciatura em Educação Básica desenvolvem o seu raciocínio geométrico e o seu conhecimento didático, no contexto de um currículo assente numa abordagem exploratória.

Participação em Seminário:

Apresentadora: Guri A. Nortvedt, University of Oslo 

Título: Using assessment data to research students’ mathematical problem solving.

Participação assistindo o Seminário com apresentação de trabalhos em curso por doutorandos de 2.º ano e seguintes em Didática da Matemática do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em abril de 2014:

Projeto 1:

Luciano Veia – Orientadores: João Pedro da Ponte e Joana Maria Leitão Brocardo

Título: A organização e tratamento de dados nas práticas profissionais de

professores do 1.º ciclo do ensino básico: três estudos de caso.

Objetivo: Analisar a evolução das práticas profissionais dos professores relativamente ao ensino da organização e tratamento de dados no 1.º ciclo do ensino básico.

Projeto 2:

Paula Vieira da Silva – Orientadora: Leonor Santos

Título: As Tarefas de Geometria nas Provas de Avaliação Externa de Matemática do 2.º Ciclo.

Objetivo: Analisar as características das tarefas de geometria que constam das provas de aferição (2011) e das provas finais do 2.º ciclo (2012).

Projeto 3:

Carla Cardoso – Orientadora: Ana Claudia Correia Batalha Henriques

Título: A aprendizagem da Matemática no ensino superior: uma experiência de ensino assente na realização de tarefas de modelação, com recurso às TIC.

Objetivo: Compreender os processos de modelação que os alunos do ensino superior percorrem através da resolução de tarefas de modelação envolvendo situações de vida real contextualizadas na sua vida profissional, com recurso às TIC.

Participação assistindo defesas de Projetos de tese de doutoramento em Educação Didática da Matemática do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em abril de 2014:

Projeto 1:

Cristina Maria da Silva Morais – Orientadora: Maria de Lurdes Serrazina

Título: Dos números naturais para os racionais: um estudo no 3o ano de escolaridade.

Objetivo: compreender o modo como alunos do 1.º Ciclo, mais especificamente ao nível do 3.º ano de escolaridade, desenvolvem o sentido de número racional e de que modo o conhecimento dos números racionais na representação decimal contribuem para esse desenvolvimento.

Projeto 2:

Elvira Maria Tavares Lázaro dos Santos – Orientadora: Maria Leonor de Almeida Domingues dos Santos

Título: Um estudo sobre práticas avaliativas de professores de matemática do 2o ciclo: a regulação do ensino com tecnologia.

Objetivo: compreender como, num contexto de trabalho colaborativo, os professores do 2.º ciclo desenvolvem práticas avaliativas reguladoras e as usam no aperfeiçoamento do processo de ensino com as TIC.

Projeto 3:

Maria Solange da Silva – Orientador: Henrique Guimarães

Título: O Desenvolvimento Profissional de Professores no que se Refere aos Processos de Orquestração Instrumental no Âmbito de um Programa de Formação Continuada: um estudo de caso com professores de matemática do ensino médio na Holanda.

Objetivo: compreender como os professores envolvidos no programa adquirem e desenvolvem as habilidades necessárias para a construção de documentos instrucionais.

Participação na Discussão III de Projetos de tese de doutoramento em Educação Didática da Matemática do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em junho de 2014:

Projeto 1:

Lina Brunheira – Orientador: João Pedro da Ponte

Título: O raciocínio geométrico e a visualização espacial na formação inicial de professores dos primeiros anos.

Objetivo: investigar a forma como os alunos da Licenciatura em Educação Básica desenvolvem o seu raciocínio geométrico e o seu conhecimento didático, no contexto de um currículo assente numa abordagem exploratória.

Projeto 2:

Kanoknapa Erawun – Orientadora: Ana Claudia Correia Batalha Henriques

Título: Thai pré-service elemtary teachers’ pedagogical content knowledge for teaching álgebra.

Objetivo: characterize the development of pre-service teachers pedagogical content knowledge for teaching algebra at grade 3, in a context of collaborative work.

Projeto 3:

Cília Cardoso Rodrigues da Silva – Orientadora Maria de Lurdes Serrazina

Título: Flexibilidade do cálculo mental na aprendizagem da multiplicação e divisão numa perspetiva do sentido de número.

Objetivo: compreender o modo como os alunos dos anos iniciais evoluem na flexibilidade do cálculo mental através de tarefas que envolvem as operações de multiplicação e divisão e identificar características das tarefas que contribuem para que os alunos desenvolvam essa flexibilidade do cálculo mental.

 

Participação no I Seminário Didática, Professores e Ensino do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em junho de 2014:

Apresentação e discussão do trabalho de doutoramento em desenvolvimento de Helena Simões (Didática das Ciências), com o título “A articulação escola – contextos não formais de educação científica: Uma possível resposta para a relevância da educação em ciências no ensino básico”, incluindo um comentário por Henrique Guimarães.

Apresentação e discussão do trabalho de doutoramento em desenvolvimento de Raquel Santos (Didática da Matemática), com o título “Ensino e Aprendizagem de investigações estatísticas: Dois estudos de caso com futuras professoras”, incluindo um comentário por Marcos Onofre.

Apresentação e discussão do trabalho de doutoramento em desenvolvimento de Lara Pinto (Didática da Educação Física), com o título “Estudo da relação entre as perceções e conhecimento do professor sobre a Agenda Social dos Alunos (ASA), o seu Sentimento de Autoeficácia (SAE) na gestão da Agenda Social dos Alunos e a qualidade do seu ensino, nas aulas de Educação Física (EF)”, incluindo um comentário por Cecília Galvão.

Atividade com produção de um artigo:

No final de janeiro, terminei um artigo de matemática e submeti para a revista Far East Journal of Mathematical Sciences (FJMS), tendo sido aceito para publicação.Um resumo do artigo e a carta de aceite do editor seguem em anexo.

Apesar de ser um artigo sobre Equações Diferenciais Parciais e aparentemente não ter ligação com o meu projeto de pós-doutoramento, coloco-o aqui por ter sido uma atividade realizada no período a que se refere este relatório e, também, porque, na interpretação que faço sobre a matemática, esta atividade faz parte de um trabalho de investigação dentro de uma cultura a que eu estou inserido como professor e investigador de uma universidade. Portanto, é produção de uma “cultura matemática”.

Atividades de visitas em escolas:

Visitei a Escola Tangerina, na cidade do Porto, e tive a oportunidade de conhecer o trabalho realizado lá e entrevistar o Diretor da Escola, Professor Manuel Rangel.

A Escola faz um excelente trabalho na área da matemática. O ensino de matemática é trabalhado com projetos que envolvem os conteúdos. Posso citar, o projeto sobre piscatória (figuras 1 e 2) em que os alunos confeccionam, além de um barco de papel e isopor, todas as outras coisas que envolvem os processos da pesca e da comercialização dos peixes: rede, peixes de papel, balança para pesar os peixes que são vendidos etc. Há também o projeto da granja (figura 2) onde os alunos confeccionam tudo relacionado à criação de frangos e à produção de ovos. Estas atividades levam à aprendizagem pela construção do conhecimento através do cotidiano e da interpretação do mundo.

 

Figura 1: Barco com a rede, âncora, bóia e as águas.

 

Figura 2: Peixes e todos os utensílios utilizados na comercialização dos mesmos.

 

Figura 3: A Granja com as galinhas, os ovos, pá, cesto etc.

Segundo o Diretor da Escola Tangerina, Prof. Manuel Rangel, a base da metodologia da Escola é através  de  projetos,  mas  a  matemática  possui  uma  especificidade  maior. É usado um programa que foi traduzido para Portugal, mas foi feito nos EUA, pelos professores belgas Georges Papy e sua esposa Frédérique, da Universidade de Bruxelas e da Escola de Formação de professores de Bruxelas. Em Portugal foi desenvolvida a parte do 1o ciclo. O programa é chamado Papy e é composto por uma bateria de materiais preparados, aula a aula, para os professores. Eles começam a fazê-los aos 4, fazem 4 e 5 anos do jardim de infância e os três anos do primário. No quarto ano, como os alunos saem depois disso, eles mantém o estilo, mas deixam de trabalhar com os materiais do programa e passam a adotar os manuais normais. Resumindo, é um programa que trabalha essencialmente a partir da pedagogia, que os autores definem como pedagogia das situações. Ainda segundo o diretor, as histórias são postas todos os dias e partir das discussões de uma história é que a matemática é trabalhada. Do ponto de vista pedagógico, e do ponto de vista da matemática, trabalha-se essencialmente o pensamento lógico com os conceitos e o cálculo mental. Para o prof. Manuel Rangel, o programa acrescenta menos nas técnicas de cálculo e muito mais no pensamento matemático. Ele acrescenta que ao contrário do que estar a crer em Portugal em que o importante são as técnicas, no mundo em que estamos não são as técnicas que são importantes. Qualquer instrumento é exatamente pensante e é o nosso pensamento ao criar as técnicas e ao trabalhar com aquilo que são técnicas.

Ele diz que a escola tem este programa, segue este programa, sempre que possível, a todas as situações cruzam o programa com os ditos projetos ou então aproveitam os tais projetos para trabalhar matemática dentro da escola. Isto é uma das coisas, que faz a ligação com a vida.

 

Visitei a Escola da Ponte em Vila das Aves, Santo Tirso. Fui recebido por funcionários da escola, que me direcionaram a uma aluna do 5o ano, chamada Clara. Foi a Clara que me apresentou a escola. Tive como primeira atividade ler os direitos e deveres dos visitantes, dentre os quais, não fazer registro de imagem durante a visita. Não entendi o motivo da restrição, por tratar-se de uma escola baseada em três grandes valores: liberdade, responsabilidade e solidariedade, o que parece cercear a liberdade do visitante em fotografar um espaço com fins acadêmicos (sem fotografar pessoas).

Ao entrar, deparei-me com frases coladas pelo chão, um pilar repleto de frases sobre o que é ler e livro enorme que continha um texto sobre o que é ler e escrever. Esses trabalhos que ainda estavam expostos foram realizados no projeto “Quinzena de Leitura” de 17 a 20 de março de 2014.

A escola trabalha a autonomia dos alunos, pois eles escolhem o que estudar, como estudar, quando estudar e quando serão avaliados. Cada aluno é responsável por estabelecer seu planejamento diário e de cumpri-lo. Caso não cumpra deve justificar porque não o fez. No que diz respeito ao que chamei de “projeto pedagógico”, há na escola etapas ou divisões que visam ao estudo dos alunos que são: Iniciação para alunos do 1º ao 3º ciclo, Consolidação alunos do 4º ao 6º ciclo e Aprofundamento para alunos do 7º ao 9º ciclo, podendo haver alunos de outros anos. Cada etapa tem uma série de tópicos a serem estudados. O aluno escolhe os tópicos que querem estudar a cada quinzena, ao final ele realiza uma avaliação, para o orientador educativo ver se realmente ele sabe aquele tópico. O aluno estuda por conta própria, com livros da escola ou com livros os quais têm em casa. Os livros da escola têm tarjas de cor e na parede há uma planilha com cada cor e o que conteúdo do livro o qual tem aquela cor. Existem planilhas, coladas na parede da sala de aula, as quais os alunos colocam: eu já sei, preciso de ajuda ou posso ajudar em.

Para trabalhar expressões artísticas cada grupo de alunos escolhe um projeto, que é desenvolvido e apresentado ao final do ano letivo.

 

 

Atividades relacionadas ao Projeto Fronteiras Urbanas:

O foco do meu plano de Pós-doutoramento era trabalhar a Educação em Ambientes Multiculturais, em uma perspectiva etnomatemática, na linha do Projecto Fronteiras Urbanas: A dinâmica de encontros culturais na Educação Comunitária (PTDC/CPE-CED/110695/2010).

Para tal desenvolvi trabalho de investigação e acompanhei a escola do bairro que é uma escola voluntária, na Costa de Caparica, organizada pelo Projeto Fronteiras Urbanas.

Durante os meses de janeiro e fevereiro tive acesso a fontes documentais sobre o processo e fiz leituras do Relatório de Progresso para FCT do Projeto Fronteiras Urbanas (Mesquita, 2014) e de algumas referências relacionadas ao mesmo.

Posteriormente, realizei a atividade de campo participando como educador na área de matemática, com uma regularidade quinzenal, e também participando de outras atividades culturais na comunidade.

As atividades desenvolvidas na escola de bairro estão descritas a seguir.

Minha primeira visita à comunidade de bairro em Costa de Caparica foi no dia da comemoração do início da construção da cozinha comunitária (figura 4).

Figura 4: Construção da cozinha comunitária.

Na semana seguinte houve o re-início da escola do bairro, em 2014, com a participação dos membros do projeto Fronteiras Urbanas e a comunidade. Incluindo uma atividade de matemática (figura 5).

Figura 5: Atividade de matemática.

Foi muito bom participar das atividades de teatro, poesia e expressão corporal com os membros  da  comunidade, do  Projeto Fronteiras Urbanas  e da comunidade do bairro. É um grande momento de encontro da Educação crítica com todos aqueles que estão envolvidos com a mesma (Figura 6).

Figura 6: Atividade de teatro, poesia e expressão corporal.

Percebemos que ninguém está ali como professor ou aluno. Estamos compartilhando conhecimentos. Ensinamos o que sabemos e também aprendemos o que não sabemos.

A Rita, por exemplo, conforme mostram as duas fotos a seguir, sentia uma felicidade grande em nos ensinar como equilibrar um sumo sobre a cabeça, um aprendizado que faz parte da cultura dela (figuras 7 e 8).

Figura 7: Rita equilibrando o sumo.

Figura 8: A Rita ensinando como equilibrar um sumo na cabeça.

 

Em um outro dia tivemos um outro momento de aprendizagem dos membros da comunidade do bairro e dos membros do Projeto Fronteiras Urbanas (figura 9).

Participamos de uma visita guiada pelo Francisco, membro do Projeto Fronteiras Urbanas, pela Costa de Caparica, onde pudemos aprender muita coisa sobre a história da região e, em especial, da comunidade piscatória, contada pela Francisco.

Caminhamos desde o bairro até a praia, e retornamos ao bairro passando pela vila de pescadores da Costa de Caparica.

A cada sitio e rua que passávamos, o Francisco contava e explicava, mostrando fotos e documentos, sobre a história do local, as casas, a única igreja na altura, os arrendamentos das roupas de banho, os rapazes que eram pagos para entrarem na água com os banhistas, protegendo-os como salva-vidas, as embarcações usadas na pesca na altura, o motivo do formato das mesmas, a Arte Xávega, tradições artísticas como o fabrico de rede de pesca artesanal  e sobre a história e a vida dos pescadores (figura 9).

 

Figura 9: Francisco nos informando sobre a história da Costa de Caparica.

Na primeira aula de matemática, no retorno da escola do bairro, em março de 2014, estavam presentes a Madalena Santos, eu, Aline Conrado, Sandra Mattos e alguns membros da comunidade do bairro, entre os quais, a Sra. Lúcia, a Rita e a Sra. Vitória. Esta aula foi conduzida pela Madalena (figura 10).

A Sra. Lucia, moradora do bairro da Costa de Caparica, se mostrou impaciente em aprender a somar e dividir. Disse que de números ela já conhecia tudo, mas que não sabia somar e dividir. Entretanto, comentando sobre um anuncio em um folheto de um supermercado, que fazia parte do material da aula, ela disse que “1,99 euros no preço de uma mercadoria eram na verdade 2 euros”.

Isto mostra que ela percebia que 1 centimo é um valor muito pequeno, quando comparado ao preço de um produto, ou seja, isso nos mostra que as noções matemáticas de comparação numérica e quantidades pequenas (números racionais) independem de conhecimento matemático. São inerentes ao instinto humano.

Figura 10: Aula de matemática no retorno da escola do bairro.

Na figura 11, a seguir, temos a Lucia apreendendo como “somar no papel”.

A Lúcia tinha muita vontade de aprender e demonstrava bastante interesse em conhecer o processo de se efetuar uma soma no papel.

Ela deixou isso claro várias vezes. Sempre falava que conhecia os números e sabia fazer contas, mas que no papel ela não sabia, e queria aprender.

A vontade dela era tão grande que ela aprendeu muito rapidamente o algoritmo para efetuar uma soma no papel, quando nós fizemos uma aula sobre esse conteúdo.

A cada conta ela expressava uma grande satisfação no resultado alcançado e me dizia, com a intenção mesmo de me explicar, que ela fazia aquela conta de “outra forma”.

Então eu pedia a ela que explicasse como ela fazia a conta e ela explicava.

Ela usa um processo mental próprio de matematizar, empregando as propriedades inerentes à operação de soma, como, por exemplo, a associatividade e a comutatividade.

O cálculo mental que a Lucia emprega para realizar uma soma de números inteiros e de números racionais (operando com preços de mercadorias) será transcrito a seguir.

Figura 11: A Lúcia aprendendo o algoritmo da soma no papel.

Ao iniciarmos uma aula de matemática, perguntei à Lucia, inicialmente, se ela sabia somar de 10 em 10, o que ela respondeu que sim.

Perguntei quanto era 10+10, 20+10, 30+10 e assim por diante até 90+10, no que ela deu todas as repostas certas.

Então perguntei quanto era 4+5, no que ela respondeu 9.

Perguntei quanto era 9+7 no que ela respondeu 16.

Perguntei quanto era 20+7, no que ela respondeu 27.

Ela então reafirmou que “de cabeça” ela sabia fazer contas, mas que no papel não sabia.

Partimos então para o algoritmo da soma no papel, o qual ela se mostrava interessada e ansiosa em aprender.

Coloquei como exemplo a soma do número 247 com o número 118.

Mostrei como se efetuava essa soma, somando as casa das unidades, das dezenas e das centenas, adicionando o 1 do número 15 (resultado de 7 + 8) aos números das casas das dezenas. O que deu como resultado final 365.

Ela então me disse: “Eu somo isso de cabeça, mas assim eu não sabia”.

Pedi então para ela me dizer como ela fazia aquela conta “de cabeça”.

Então ela explicou:

Lúcia: 200 + 100 é 300 (somou as centenas).

Lúcia: 300 + 18 dá 318 (somou as centenas com o 18 que tinha sobrado de 118).

Lúcia: Agora, 318 + 40 dá 358 (somou o resultado anterior com as dezenas que sobraram no 247).

Lúcia: E 358 + 7 é 365 (somou a 358 as unidades que faltavam de 247).

E concluiu que havia dado o mesmo resultado que no papel.

Peguei então um outro exemplo de soma dos preços de dois produtos em um encarte de um supermercado.

Peguei 2,95 euros (que era o preço de 1kg de carne de coelho) e 0,73 (73 centimos) que que era o preço de um outro produto, para somarmos.

Efetuamos então a soma no papel usando o algoritmo usual.

Ela então me disse que no supermercado ela fazia aquela conta de cabeça, mas que assim ela não sabia.

Perguntei como ela fazia aquela conta “de cabeça”?

Ela explicou:

Lúcia: Tem 2 euros e 95 centimos, tiro 3 centimos (com o dedo sobre os 73 centimos, se referindo a retirar os 3 centimos de 73 centimos).

Lúcia: Fica 2 euros e 98 centimos.

Lúcia: Tiro 2 centimos.

Lúcia: Fica 68 centimos.

Lúcia: Com os 3 euros dá 3 euros e 68 centimos.

Eu então perguntei: Deu o mesmo resultado que no papel?

Ela olhou e disse: Deu.

Falei para ela que iríamos fazer outro exemplo e ela concordou.

Disse que queríamos somar 125 com 98.

Deixei ela me dizer como armamos a conta e como efetuamos.

Ela efetuou corretamente, conforme os exemplos anteriores, achando 223.

A Lúcia só teve dificuldade quando foi somar a casa das centenas, pois no número 98 não havia algarismo na casa das centenas.

Informei a ela que como não havia um algarismo na casa das centenas no número 98, podíamos considerar como sendo o zero.

Ela então perguntou se seriam 223 euros (em uma alusão ao concreto no cotidiano).

Eu disse a ela que se 125 e 98 fossem euros, que o resultada da conta seria em euros.

Perguntei como ela fazia aquela conta de cabeça e ela disse:

Lúcia: Tira 2 (com o dedo no 125).

Lúcia: Faz 200.

Lúcia: Depois fica 23 (com o dedo ainda no 125).

Lúcia: Com 200 dá 223.

Nesse momento, ela disse que tinha que ver a panela que estava no fogo e que voltaria.

Achei que ela não fosse mais voltar.

Mas, ela voltou disse que faria mais uma conta de somar, pois tinha que tomar conta da panela com a comida que estava fazendo.

Passei então uma conta para ela fazer sozinha.

Coloquei 456 + 207 e dei para ela fazer.

Ela efetuou corretamente, utilizando o algoritmo aprendido e achando o resultado 663.

O processo mental empregado pela Lúcia para realizar uma conta faz parte de um saber/fazer matemático proveniente da necessidade do dia a dia de efetuar um cálculo. Uma necessidade na busca de maneiras de lidar com o seu cotidiano.

Uma forma de lidar com o ambiente que a cerca.

Uma necessidade pela sobrevivência, já que ela precisa fazer compras em um mercado, recarregar um título de transporte público etc.

Ela realiza um algoritmo mental que a possibilita lidar com questões de sobrevivência.

 

De acordo com Ubiratan D’Ambrósio:

Dentre as distintas maneiras de fazer e de saber, algumas privilegiam comparar, classificar, quantificar, medir, explicar, generalizar, inferir e, de algum modo, avaliar. Falamos então de um saber/fazer matemático na busca de explicações e de maneiras de lidar com o ambiente imediato e remoto. Obviamente, esse saber/fazer matemático é contextualizado e responde a fatores naturais e sociais. (D’Ambrósio, 2011, p.22).

 

 

Uma outra moradora do bairro, extremamente inteligente e interessada em aprender, se chama Rita.

Em um outro dia de aula de matemática, como havia outras atividades com as crianças, nós acabamos ficando sem um lugar tranqüilo para realizarmos a aula de matemática.

Mas isso não foi problema nem motivo para que não realizássemos a aula.

A Eunice (uma outra simpática cabo-verdiana, moradora há 6 anos no bairro) ofereceu para utilizarmos a varanda da casa dela. Ela trouxe a mesa de dentro da casa para a varanda e providenciou cadeiras para nos sentarmos.

A Rita, em principio, não queria participar, dizendo que já tinha mais de 40 anos e que “não dava mais para aprender a fazer contas”.

Eu e a educadora Sandra Mattos dissemos à Rita que não há idade para aprender algo. Nem matemática. E insistimos para que ela participasse da aula.

Dissemos que há muitas coisas que nós também não sabemos, mas não nos julgamos “velhos” para aprender.

Dissemos que se ela havia aprendido a ler e escrever no Projeto Fronteiras Urbanas então poderia também aprender a fazer contas.

A conversa travada em um clima de amizade, num ambiente cordial, sem uma relação tradicional professor-aluno, fez com que a Rita fosse ficando mais à vontade, abandonando a vergonha inicial de estar com pessoas que não eram as que ela estava acostumada no Projeto Fronteiras urbanas.

A Rita então resolveu participar da aula de matemática juntamente com a Eunice.

Nas figuras 12, 13 e 14, a seguir, temos a Rita e a Eunice participando da aula de matemática comigo e com a Sandra Mattos.

Figura 12: Rita e Eunice em uma aula de matemática comigo e com a Sandra Mattos.

 

 

Figura 13: A Rita fazendo uma conta no papel sozinha.

Figura 14: A Rita fazendo contas no papel.

 

A alegria da Rita era radiante ao apreender o algoritmo da soma, no papel (figuras 15 e 16). A Eunice já conhecia o algoritmo da soma, que havia aprendido na escola em Cabo Verde. Mas, mesmo assim, ela fez questão de participar da aula e fazer as contas que eram passadas, no papel.

Figura 15: A alegria da Rita fazendo contas no papel.

Figura 16: Algumas contas da Rita no papel.

Rita Tavares, 42 anos, que aprendeu a ler e escrever pelo projeto Fronteiras Urbanas.

A Rita nos informou que não sabia fazer contas de somar.

Ela sabia fazer algumas pequenas contas, como 20 + 8 que ao ser perguntada, respondeu, depois de algum tempo pensando, que era 28. Mas outras contas um pouco maiores como 45 + 52 ela não soube responder.

Ao ser perguntada como ela fazia quando ia ao mercado comprar alguns produtos e precisava saber o preço total das compras para poder pagar, ela disse, mostrando as  mãos, que pegava as moedas que tinha e estendia as duas mãos para a pessoa no caixa pegar o valor correspondente as compras.

Percebemos certo constrangimento da Rita não só em nos contar isso, mas também em ter que fazer isso em um supermercado com outras pessoas na fila olhando.

Partimos então para a aula, onde mostramos como realizar uma soma utilizando o algoritmo usual para soma.

Começamos então com a soma de dois números naturais com dois algarismos.

A Rita entendeu bem o processo e realizou alguns exemplos, sozinha.

A filha da Rita, de nome Eliana, chegou e sentou-se ao lado da mãe.

Ela já conhecia o algoritmo da soma e pegou um papel para fazer também as contas que eram passadas para mãe.

Passamos então para números com três e quatro algarismos.

A Rita vibrava e batia palmas à medida que realizava sozinha uma conta de somar e acertava.

Ela realizava as contas de somar e depois conferia se a conta que a filha havia feito estava correta.

Por duas vezes, a filha Eliana, se aborreceu, baixando a cabeça, pois, na tentativa de realizar a conta antes da mãe, havia errado e a Rita, depois de realizar a conta corretamente, verificou o erro da filha.

A vibração da Rita era emocionante! Ela mesma batia palmas (e nós acompanhávamos) cada vez que fazia uma conta.

Um momento emocionante foi quando ela disse que agora poderia acompanhar as contas que a filha fazia e que ela nunca pôde ajudar ou verificar se estavam corretas.

Passamos então a somar os preços de alguns produtos que ela compra em um mercado. Isto corresponde a soma de números racionais em representação decimal com duas casas (que correspondem aos centimos).

Mostramos como era o processo deste tipo de operação e fizemos um exemplo com ela. Então passamos alguns exemplos para ela fazer sozinha.

Ela fazia todas as contas corretamente.

O tempo passava e nem percebíamos. A cada conta que a Rita fazia ela batia palmas, agradecia, dizia que tínhamos que estar todos os sábados lá, e pedia mais uma conta para fazer.

Foi difícil conseguirmos sair naquela tarde da casa da Eunice (onde improvisamos uma sala de aula para matemática). A Rita não queria parar de fazer contas. Ao término de cada conta era uma salva de palmas e o pedido da Rita para passar outra conta.

Outro momento emocionante foi quando ela disse que agora poderia saber quanto gastaria para comprar mais de um produto no mercado.

Disse que nunca pensou que conseguiria em vida aprender a somar e que ouviu dizer que “quando morremos e chegamos do outro lado sabemos coisas que não sabemos aqui na terra”.

Uma alusão ao conformismo de delegar ao além aquilo que almejava saber aqui na terra.

Workshop Só sabão (um outro momento de aprendizagem no bairro):

Em 19 de abril tivemos, na comunidade do bairro da Costa de Caparica, o Workshop só sabão. Uma equipa, sob o comando da Filipa, formada em Farmácia, esteve presente na escola do bairro para um workshop que ensinou as pessoas presentes a produzir sabão a partir de óleo usado (figura 17).

 

Figura 17: Equipa do Só Sabão ensinando a fazer sabão.

 

Várias pessoas do bairro estiveram presentes e participaram da aula prática que ensinou a todos como produzir sabão com óleo de cozinha usado, azeite de dendê etc (figura 18).

Figura 18: As pessoas preparando o sabão.

Vários conteúdos matemáticos foram utilizados no processo de produção do sabão: razão e proporção; unidades de medidas (da água, do óleo e da soda cáustica); leitura dessas medidas através da utilização de instrumentos como uma balança usada para pesar os líquidos. Os moradores do bairro além de aprenderem como fazer seu próprio sabão, aprenderam também que podemos pesar um líquido e aprenderam a fazer leitura em instrumentos de medição (figura 19).

Figura 19: Filipa da equipa “Só Sabão” dando instruções.

Eventos, como o Workshop Só Sabão, que acontecem no bairro da Costa de Caparica são muito importantes para a comunidade. Não só pela aprendizagem específica a que o evento se propõe, mas também pela interdisciplinaridade envolvida nessas atividades.

No Workshop Só Sabão as pessoas aprenderam que o óleo de cozinha usado pode ser utilizado para produzir um produto de uso diário, que é o sabão (sustentabilidade e meio ambiente). Aprenderam que ao se misturar determinadas substâncias químicas produz-se novas outras substâncias (processos químicos). Aprenderam que ao se misturar hidróxido de sódio (ou soda cáustica – NaOH) com água há liberação de calor, fazendo a água esquentar (reações quimicas). Aprenderam sobre mudança de estado físico da matéria (óleo + água + soda cáustica cuja mistura está no estado líquido se transformará em uma barra de sabão após dois dias). No que diz respeito à matemática, vários conteúdos estiveram envolvidos no processo de fabricação do sabão: unidades de medidas de massa (quilograma e seu submúltiplo grama), utilização de instrumentos de medição como a balança (deve-se pesar 1Kg de óleo, 136g de soda cáustica e 270g de água), unidades de medida de tempo (dois dias para retirar o sabão do recipiente e mais um mês para diminuir o ph e o sabão poder ser usado), formas geométricas (o sabão tomará a forma geométrica do recipiente que você colocá-lo).

Além de uma aprendizagem em assuntos de várias áreas do conhecimento, ainda há dois fatores importantes que são: o ambiental, pela reutilização do óleo para produzir sabão; e o financeiro, gerando uma economia no custo da compra deste produto.

Atividade de aprendizagem lúdica:

Na figura 20, a seguir, temos a Filipa e a Silvia Franco dando instruções às crianças sobre uma atividade lúdica, nomeada “caça ao tesouro”, que consistia na verdade na “caça ao chocolate”. Foi uma atividade muito boa feita com as crianças na Páscoa, onde as crianças tinham que seguir as informações em um mapa para encontrar as nove fitas coloridas (cada uma de cor diferente) que as levariam a ganhar o chocolate.

Essa atividade tem uma importância, como atividade matemática, no que se refere ao raciocínio dedutivo, à interpretação (leitura de um mapa que mentalmente está associado à coordenadas) e à lógica.

 

Figura 20: Ana Filipa e Silvia Franco dando explicações às crianças.

Considerações Finais:

Realmente, não tinha ideia do quão abrangente era o projeto Fronteiras Urbanas e nem da realidade daquelas pessoas. Não pensava que situações assim pudessem acontecer em um país desenvolvido da Europa. Centenas de pessoas sem condições dignas de vida, sem água, sem saneamento básico, enfim, sem o mínimo necessário para viver dignamente. Porém, os membros desta comunidade de bairro da Costa de Caparica reconhecem a importância do projeto para a comunidade, através do conhecimento produzido e do esclarecimento da necessidade da luta por melhorias da qualidade de vida deles.

O Projeto Fronteiras Urbanas vem exatamente na direção de uma pedagogia de libertação pelo conhecimento construído nas comunidades as quais ele está direcionado.

É um projeto que atende aos anseios das comunidades locais em sua plenitude. Comunidades que, apesar dos constantes apelos às autoridades locais, mais de 400 pessoas vivem há mais de 30 anos, em plena zona urbana, ainda sem água canalizada e sem saneamento básico.

A história do Sr. Durval Carvalho, por exemplo, me impressionou bastante: A fala dele sobre como entrou em Portugal passando pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteira. Pela felicidade das pessoas que viviam junto com ele e com o tio. Pelas dificuldades passadas. Pelo constrangimento e humilhação com a situação vivida com o “dono do cemitério” (que chamou a polícia só porque ele conversava com uma mulher branca), que acabou lhe rendendo perseguição pela polícia. E com o seu filho no primeiro dia do jardim de infância quando a professora pediu que as crianças lavassem as mãos, saiu a procurar um alguidar, pois sequer sabia que em uma torneira saia água. (Mesquita, 2014).

Melhor do que ninguém, essas pessoas sabem da importância do projeto Fronteiras Urbanas para a sua comunidade. De acordo com Paulo Freire:

 

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. (Freire, 1987, p.17).

 

Infelizmente, alguns problemas educacionais são deixados de lado de forma a atenderem aos interesses de uma sociedade, em oposição às necessidades de uma comunidade, objetivando fazer com que se ignorem as questões políticas e sociais.

Isto ocorre em qualquer lugar, onde haja opressão como forma de não deixar com que as pessoas se libertem da sua condição de oprimidas, através do conhecimento.

Precisamos de um novo conceito de educação, baseado em uma reflexão crítica, com instrumentos viáveis e válidos, envolvendo os elementos culturais e sociais.

Precisamos de um novo conceito de currículo, respaldado no currículo trivium de Ubiratan D’Ambrósio, com base nos instrumentos comunicativos, analíticos e materiais.

 

Não se trata de introduzir novas disciplinas ou de rotular com outros nomes aquilo que existe. A proposta é organizar as estratégias de ensino, aquilo que chamamos currículo, nas vertentes que chamo literacia, materacia e tecnoracia. Essa é a resposta ao que hoje conhecemos sobre a mente e o comportamento humano. (D’Ambrósio, 2011, p.67).

 

Um currículo que permita, antes de qualquer coisa, atingir os conhecimentos necessários a sobrevivência e a luta por uma sociedade mais justa e igualitária. Não um currículo que transcreva disciplinas apenas, mas que permita alcançar uma educação crítica. Pois, de acordo com Maria do Céu Roldão, “Se o currículo é assimilado apenas a conjunto de disciplinas, poderemos ter excelentes listagens ou estruturas de conhecimentos, mas não temos certamente um currículo escolar, orientado para as suas finalidades educativas próprias”. (Roldão, 1999, p. 13).

 

Finalizo este relatório com uma citação de Teresa Vergani:

 

Há uma ética associada ao conhecimento matemático, cuja prática é guiada pelo conhecimento de nós próprios, pela diluição das barreiras entre indivíduos, pela construção de uma “harmonia ancorada em respeito, solidariedade e cooperação”. Daí que os estudantes sejam sempre mais importantes do que currículos ou métodos de ensino; que o conhecimento não possa se dissociado da plenitude humana nem do aluno nem do formador; que tanto a paz pessoal como a paz ambiental, social e cultural sejam corolários de um posicionamento correto face à vida, face ao conhecimento e face ao cosmos. (Vergani, 2007, p. 32).

Referências Bibliográficas:

D’Ambrósio, U. (2011). Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. (4a ed.) Belo Horizonte: Autêntica.

Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. (17a ed.) Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Knijnik, G. (2002). Itinerários da Etnomatemática: Questões e Desafios Sobre o Cultural, Social e Político na Educação Matemática. Educação em Revista, 36, pp. 161-176.

Mattos, J. R. L. & Brito, M. L. B. (2012). Agentes rurais e suas práticas profissionais: elo entre matemática e etnomatemática. Ciência & Educação, 18(4), pp. 965-980.

Mesquita, M. (2014). Projeto Fronteiras Urbanas: A dinâmica de encontros culturais na educação comunitária. Relatório de Progresso para FCT. Lisboa: IEUL.

Moreira, D. (2009). Técnicas Populares e sua Aprendizagem: o caso da Etnomatemática. In: Dias, P. (Org.). Museus e Patrimônio Imaterial. Agentes, fronteiras e identidades. Lisboa: Instituto dos Museus e da Conservação.

Palhares, P. (Org.). (2008). Etnomatemática. Um olhar sobre a diversidade cultural e a aprendizagem matemática. Ribeirão: Edições húmus.

Roldão, M. C. (1999). Educação escolar e currículo. In Currículo: gestão diferenciada e aprendizagens de qualidade. IV Fórum do Ensino Particular e Cooperativo. Algarve: aeep.

Sacristán, J. G. (2000). O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: ArtMed.

Vergani, T. (2007). Educação Etnomatemática: O que é?Natal: Flecha do Tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXOS